segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Brasil e Alemanha - qual bolso importa?



Pra você, qual é o principal problema do Brasil?

Saúde?  Educação?

Na última pesquisa do Datafolha, de setembro de 2017, foi perguntado não o principal problema, mas qual tema será mais decisivo para a escolha do candidato a presidente em 2018. 31% dos brasileiros apontaram a saúde como fator decisivo, seguido por corrupção (18%), educação (17%), emprego (14%) e segurança (10%).

Esses números não são estáveis durante o tempo nem iguais no mundo todo ou nas diferentes clivagens sociais. Por exemplo, se considerarmos apenas a população com renda superior a 10 salários mínimos, ao invés da saúde, a corrupção é a apontada como área mais decisiva, com 28%. Para os mais ricos, segurança também é percebida como um problema mais relevante do que a média. Já entre os mais os pobres, a saúde e geração de empregos são percebidas como problemas mais importantes do que para os mais ricos.


Se há grandes diferenças entre as diferentes classes sociais no modo como percebemos os principais problemas da sociedade, essas classes também devem se comportar de modo distinto em relação ao voto.

Mas antes de falar mais sobre o Brasil, vamos ver os problemas e voto na Alemanha.

Eleições Alemãs

Os alemães foram às urnas no dia 24 de setembro não com o desemprego nem com a violência como principais problemas para a população. Segundo dados do instituto de pesquisa alemão Infratest Dimap, 44% dos alemães colocaram os refugiados e a imigração como principal problema do país. Desemprego aparece somente como quinto problema, com 12%, e segurança (incluindo aí terrorismo) o sexto, com 11%[1].

O cenário é bem diferente do de 2013, época das últimas eleições. Há quatro anos, o desemprego havia sido apontado como principal problema do país em um contexto de medo de volta da recessão econômica. Com a crise econômica de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) alemão caiu bastante em 2009, acabou se recuperando nos dois anos seguintes, mas entre 2011 e início de 2013 o crescimento econômico alemão caia trimestre a trimestre, recuperando-se de fato somente a partir da segunda metade de 2013. Em compensação, apesar da preocupação dos alemães com os postos de trabalho, a taxa de desemprego no país só vem caindo, mesmo com a crise de 2008.

Hoje, os níveis de desemprego estão baixíssimos e a economia parece não sofrer mais os mesmos riscos de recessão. Tudo isso graças à balança comercial favorável, que garantiu não só 46% do PIB alemão mas também um superávit de 280 bilhões, o segundo maior do mundo. Ao mesmo tempo, a Alemanha vem promovendo reformas trabalhistas a partir de 2005, que precarizou flexibilizou os tipos de contrato de trabalho, tornando as admissões e demissões mais fáceis, diminuindo o acesso ao seguro-desemprego e criando um tipo de trabalho em tempo parcial com salários mais baixos e livre de impostos, os “mini-job”[2].

No entanto, o emprego e as exportações não estão distribuídos igualmente pelo território alemão. A maior parte das exportações e, consequentemente, onde há menos desemprego, está na região do vale do rio Reno, nos estados da Baden-Württemberg, Baixa Saxônia e Renânia do Norte-Westphalia, e também na Bavária.


Com emprego, ainda que precário, o tema que mais tem impactado a vida dos alemães nos últimos dois anos tem sido a questão da imigração. E não é por acaso. A Alemanha é o principal destino dos refugiados das zonas de guerra no Oriente Médio, principalmente da Síria. Foram mais de 745 mil pedidos de asilo somente em 2016, praticamente metade de toda a Europa. Em 2015, segundo o governo alemão, foi registrada a entrada de cerca de 1 milhão de refugiados no país. É muita coisa para um país de 82 milhões de pessoas!


Crise da representação

Os alemães mantém uma democracia estável desde o fim da segunda mundial baseada na polarização entre SPD e a aliança CDU/CSU. Mesmo após a reunificação das Alemanhas, em 1990, o poder tem sido dividido basicamente entre essas duas principais forças políticas. No entanto, a Alemanha também faz parte de um processo de crise da representação política que afeta todas as democracias ocidentais. A descrença em relação à política[3], aos governantes e ao processo eleitoral vem ganhando força desde os anos 1970 e chegou a um novo patamar com o movimento Democracia Real Ya na Espanha a partir da crise econômica de 2008.

Na Alemanha, esse movimento também vem fazendo os partidos tradicionais perderem eleitores. SPD e a aliança CDU+CSU conquistavam até 2002, juntos, cerca de 36 milhões votos para o parlamento alemão, ou seja, quase 60% dos votos possíveis[4]. Já em 2017, a soma desses votos é de 24 milhões, menos de 40% dos votos possíveis.

Quem mais caiu de lá para cá foi o SPD, partido de centro-esquerda alemão. Após dois governos de coalização com os Verdes, o SPD optou em 2005 por liderar a coalização governamental justamente ao lado de seus principais rivais (CDU+CSU) [5]. Foi também a partir de 2005 que o então chanceler Gerhard Schröder promoveu as reformas Hartz, que precarizaram flexibilizaram as relações de trabalho.

Já a aliança entre CDU e CSU se manteve como partido mais votado na eleição de 2017 e deve reconduzir Angela Merkel à liderança do governo. O problema desta vez foi o crescimento considerável da AfD (Alternativa para Alemanha), partido de extrema-direita alemão, fundado fundada em 2013 por um grupo de professores universitários e líderes empresariais alemães favoráveis à dissolução da zona do Euro e contra a política migratória de Angela Merkel, que permitiu a entrada massiva de imigrantes refugiados ao país.

Até então, a extrema-direita vinha sendo representada principalmente pelo NPD (Partido Nacional Democrático da Alemanha) e nunca havia conseguido eleger nenhum deputado para o Bundestag (Parlamento Alemão) desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desta vez, o AfD, que já tinha tido mais de 2 milhões de votos em 2013, dobrou de tamanho, obteve 5,8 milhões de votos e ainda elegeu 94 deputados (13%).

 Quando analisamos o perfil do eleitor de cada partido, encontramos um padrão parecido com outras democracias europeias. O voto da CDU/CSU é maior justamente nas regiões exportadoras da Bavária e do Vale do Rio Reno.

Justamente nos estados mais ricos do oeste do país, onde estão as 10 maiores indústrias alemãs, e com menor menores taxas de desemprego é que o partido Angela Merkel vem obtendo o apoio necessário para se manter no poder.
Já a AfD, partido de extrema-direita que se tornou a terceira força da política alemã, apresentou melhores resultados justamente no Leste do país, onde há maior desemprego e onde há menos migrantes.

Vejam, o Leste alemão não é a parte do país que mais recebe imigrantes, mas os eleitores de baixa escolaridade, vivendo em uma região com situação econômica mais frágil, acabaram sendo levados pela propaganda xenófoba e pela crescente polarização das bolhas ideológicas criadas pelas redes sociais.

O padrão de votação na Alemanha é muito parecido com o de outros países europeus. Os partidos de extrema-direita são mais fortes entre menos escolarizados. Os partidos tradicionais, tanto de esquerda quanto de direita, vão melhor entre os mais velhos. E os partidos que tentam romper a polarização tradicional (SPD x CDU/CSU) obtém mais apoio entre os mais jovens e de maior escolaridade.

Problema no bolso

A Alemanha mostra que importa mais a percepção de um problema do que a realidade em si. Os alemães consideraram a imigração e os refugiados a principal preocupação do país, temas associados à extrema-direita xenófoba alemã. Mas, o partido que a representa, a AfD, cresceu justamente com uma base eleitoral numa região onde há menos imigrantes. Lá, o que ocorreu foi uma associação indireta dos refugiados com a piora das condições de vida, em uma região economicamente mais vulnerável que a rica Alemanha Ocidental.

No Brasil, os imigrantes representam uma parcela muito pequena da população, e a extrema-direita brasileira acaba baseando seu discurso em outras pautas, não necessariamente a partir da xenofobia. Aqui, essa clivagem política faz uso do medo da violência e da insatisfação com os escândalos de corrupção para propagar seu discurso militarista[6] e contra as minorias, encontrando como interlocutor a figura do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC).
 “Famoso por adotar discursos e posições radicais contra valores igualitários de esquerda, contra pautas identitárias de minorias, e a favor da ditadura militar, do rearmamento da população civil, do protecionismo econômico e da ênfase em segurança e ordem” – trecho extraído do texto Nem liberalismo, nem conservadorismo: o populismo reacionário como ideologia do bolsonarismo, de Lucas Paulino.
De fato, a realidade não ajuda. O Brasil é o país onde há o maior número de homicídios no mundo em números absolutos (55 mil por ano). No mês de setembro, por exemplo, foi a vez da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, tomar conta dos noticiários em um drama comum nas periferias das grandes cidades do país, como mostrou o Atlas de Violência 2017,  do Ipea.

No entanto, mesmo mais vulnerável à violência, quem mais tem demonstrado apoio a Bolsonaro não é a população mais carente, mas sim os mais ricos, que percebem a corrupção e a violência como um problema maior para o país do que os serviços públicos (educação, saúde) ou a situação econômica.
 

Já os mais pobres, mais vulneráveis tanto à violência cotidiana quanto às oscilações da economia, vem demonstrando maior apoio a Lula (PT). Aqui, Lula é visto em oposição a Temer. Ou seja, enquanto durante o governo Lula (2003-2008) os índices de desemprego caíram significativamente e o poder aquisitivo aumentou, o período iniciado pelo governo Temer (a partir de 2016) é julgado pela piora das condições econômicas - em julho deste ano, o IBGE registrou uma taxa de 12,8% de desemprego, ou mais de 13 milhões de desempregados no país.
 

"Mas a taxa de desemprego não está caindo? A recessão não está acabando? Há enorme diferença entre as estatísticas oficiais e a sensibilidade da população. O fato de alguém deixar de ser classificado como desocupado não significa que tenha conseguido o emprego dos sonhos – até porque há cada vez menos bons empregos. A ocupação informal é melhor do que nada, mas não basta para transformar o novo ocupado em fã do governo", trecho extraído do texto Temer empurra Lula,  de José Roberto de Toledo para o Estadão.
Em 2018, os resultados das eleições no Brasil deverão repercutir de alguma forma a maior polarização da sociedade e a crise da representação como um todo. Mas, acima de tudo, é a percepção dos problemas do país e o modo como cada fatia da sociedade percebe a realidade que irão definir o voto.


[1] A soma dá mais de 100%, pois são contadas todas as menções.
[2] Sobre os impactos da reforma trabalhista alemã promovida pelo governo de Gerhard Schröder, do SPD, em 2005, vale a leitura de um texto de 2013 da jornalista portuguesa Maria João Guimarães para o Público: bit.ly/2hxU6oM.
[3] Sobre a crise da representação, vale a leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political Support in Advanced Industrial Democracies, disponível em: bit.ly/1KKhElY. No Brasil, os dados da pesquisa mais recente do Datafolha mostra que as pessoas continuam considerando a democracia como melhor sistema de governo, mas esse apoio à democracia está caindo.
[4] O sistema eleitoral alemão é complexo. Lá, a escolha de representantes é através de um sistema misto. Cerca de 40% das vagas é definida por um sistema majoritário, onde há apenas um eleito em cada zona eleitoral. Já as outras vagas são definidas por um sistema proporcional, tal qual no Brasil, mas de lista fechada. Ou seja, para estas cadeiras, o partido define a ordem da lista partidária, mas é o percentual de votos do partido que define o percentual de cadeiras a ser destinado a ele. Adiciona-se aí uma cláusula de barreira – os partidos precisam de ao menos 5% do total de votos em todo o país e vencer em ao menos três distritos da eleição majoritária para conseguir eleger alguém. Para facilitar a visualização dos dados, o cálculo de votos de cada partido em cada eleição está levando em conta apenas os votos em lista partidária. A diferença desse montante para o voto nas eleições majoritárias não é grande.
[5] A única vez que o SPD se aliou à CDU e CSU para uma coalizão de governo foi entre 1966 e 1969, com Kurt Georg Kiesinger, da CDU, como primeiro-ministro.
[6] O discurso militarista não é novidade e é justamente a fórmula que vem sendo colocada em prática pelo atual presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Para saber mais como é a Filipinas de Duterte, vale a leitura do texto do jornalista Daniel Berehulak, do New York Times, traduzido pelo Uol. Recentemente, o presidente filipino também foi notícia por defender que os pais matem os próprios filhos envolvidos no tráfico de drogas – o filho de Duterte está sendo investigado por fazer parte de uma organização criminosa...

2 comentários:

  1. Cláudio, a blogosfera anseia pelas suas novas postagens. Multidões de leitores órfãos choram em suas casas, sem notícias suas.
    Ou será que você vai embarcar pelas tramas da fantasia? O convite está de pé.

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  2. Roberto, infelizmente não estou dando a atenção necessária à "multidão de leitores".
    No segundo semestre do ano passado participei do processo seletivo da pós-graduação da UnB e ainda tive todos os preparativos do meu casamento...
    Além disso, tive alguns problemas pessoais, que estão me afastando daqui.
    Espero retomar os textos aqui do blog em breve, mesmo com o início da pós. Acho que não faltará assunto neste ano eleitoral!
    Abraços

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