Pra você, qual é o principal problema do Brasil?
Saúde? Educação?
Na última pesquisa do Datafolha, de setembro de 2017, foi perguntado não o principal
problema, mas qual tema será mais decisivo para a escolha do candidato a
presidente em 2018. 31% dos brasileiros apontaram a saúde como fator decisivo,
seguido por corrupção (18%), educação (17%), emprego (14%) e segurança (10%).
Esses números não são estáveis
durante o tempo nem iguais no mundo todo ou nas diferentes clivagens sociais.
Por exemplo, se considerarmos apenas a população com renda superior a 10
salários mínimos, ao invés da saúde, a corrupção é a apontada como área mais
decisiva, com 28%. Para os mais ricos, segurança também é percebida como um
problema mais relevante do que a média. Já entre os mais os pobres, a saúde e
geração de empregos são percebidas como problemas mais importantes do que para
os mais ricos.
Se há grandes diferenças entre as
diferentes classes sociais no modo como percebemos os principais problemas da
sociedade, essas classes também devem se comportar de modo distinto em relação
ao voto.
Mas antes de falar mais sobre o Brasil, vamos ver os
problemas e voto na Alemanha.
Eleições Alemãs
Os alemães foram às urnas no dia
24 de setembro não com o desemprego nem com a violência como principais
problemas para a população. Segundo dados do instituto de pesquisa alemão Infratest Dimap, 44% dos alemães
colocaram os refugiados e a imigração como principal problema do país.
Desemprego aparece somente como quinto problema, com 12%, e segurança
(incluindo aí terrorismo) o sexto, com 11%[1].
O cenário é bem diferente do de
2013, época das últimas eleições. Há quatro anos, o desemprego havia sido apontado
como principal problema do país em um contexto de medo de volta da recessão
econômica. Com a crise econômica de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) alemão caiu bastante em 2009, acabou se recuperando nos dois anos seguintes, mas entre 2011 e início de 2013 o crescimento econômico alemão caia trimestre a trimestre, recuperando-se de fato somente a partir da segunda metade de 2013. Em
compensação, apesar da preocupação dos alemães com os postos de trabalho, a
taxa de desemprego no país só vem caindo, mesmo com a crise de 2008.
Hoje, os níveis de desemprego estão baixíssimos e a economia parece não sofrer mais os mesmos riscos de recessão. Tudo isso graças à balança comercial favorável, que garantiu não só 46% do PIB alemão mas também um superávit de 280 bilhões, o segundo maior do mundo. Ao mesmo tempo, a Alemanha vem promovendo reformas trabalhistas a partir de 2005, que
No entanto, o emprego e as
exportações não estão distribuídos igualmente pelo território alemão. A maior
parte das exportações e, consequentemente, onde há menos desemprego, está na
região do vale do rio Reno, nos estados da Baden-Württemberg, Baixa Saxônia e
Renânia do Norte-Westphalia, e também na Bavária.
Com emprego, ainda que precário, o tema que mais tem impactado a vida dos alemães nos últimos dois anos tem sido a questão da imigração. E não é por acaso. A Alemanha é o principal destino dos refugiados das zonas de guerra no Oriente Médio, principalmente da Síria. Foram mais de 745 mil pedidos de asilo somente em 2016, praticamente metade de toda a Europa. Em 2015, segundo o governo alemão, foi registrada a entrada de cerca de 1 milhão de refugiados no país. É muita coisa para um país de 82 milhões de pessoas!
Crise da
representação
Os alemães mantém uma democracia
estável desde o fim da segunda mundial baseada na polarização entre SPD e a
aliança CDU/CSU. Mesmo após a reunificação das Alemanhas, em 1990, o poder tem
sido dividido basicamente entre essas duas principais forças políticas. No entanto,
a Alemanha também faz parte de um processo de crise da representação política
que afeta todas as democracias ocidentais. A descrença em relação à política[3],
aos governantes e ao processo eleitoral vem ganhando força desde os anos 1970 e chegou a um novo patamar com o movimento Democracia Real Ya na Espanha a partir da crise econômica de 2008.
Na Alemanha, esse movimento
também vem fazendo os partidos tradicionais perderem eleitores. SPD e a aliança
CDU+CSU conquistavam até 2002, juntos, cerca de 36 milhões votos para o
parlamento alemão, ou seja, quase 60% dos votos possíveis[4].
Já em 2017, a soma desses votos é de 24 milhões, menos de 40% dos votos
possíveis.
Quem mais caiu de lá para cá foi
o SPD, partido de centro-esquerda alemão. Após dois governos de coalização com
os Verdes, o SPD optou em 2005 por liderar a coalização governamental
justamente ao lado de seus principais rivais (CDU+CSU) [5].
Foi também a partir de 2005 que o então chanceler Gerhard Schröder promoveu as reformas Hartz, que precarizaram flexibilizaram as relações de
trabalho.
Já a aliança entre CDU e CSU se
manteve como partido mais votado na eleição de 2017 e deve reconduzir Angela
Merkel à liderança do governo. O problema desta vez foi o crescimento
considerável da AfD (Alternativa para Alemanha), partido de extrema-direita
alemão, fundado fundada em 2013 por um grupo de professores universitários e
líderes empresariais alemães favoráveis à dissolução da zona do Euro e contra a
política migratória de Angela Merkel, que permitiu a entrada massiva de
imigrantes refugiados ao país.
Até então, a extrema-direita
vinha sendo representada principalmente pelo NPD (Partido Nacional Democrático
da Alemanha) e nunca havia conseguido eleger nenhum deputado para o Bundestag
(Parlamento Alemão) desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desta vez, o AfD,
que já tinha tido mais de 2 milhões de votos em 2013, dobrou de tamanho, obteve
5,8 milhões de votos e ainda elegeu 94 deputados (13%).
Quando analisamos o perfil do
eleitor de cada partido, encontramos um padrão parecido com outras democracias
europeias. O voto da CDU/CSU é maior justamente nas regiões exportadoras da Bavária e do
Vale do Rio Reno.
Justamente nos estados mais ricos
do oeste do país, onde estão as 10 maiores indústrias alemãs, e com menor
menores taxas de desemprego é que o partido Angela Merkel vem obtendo o apoio
necessário para se manter no poder.
Já a AfD, partido de
extrema-direita que se tornou a terceira força da política alemã, apresentou
melhores resultados justamente no Leste do país, onde há maior desemprego e
onde há menos migrantes.
Vejam, o Leste alemão não é a
parte do país que mais recebe imigrantes, mas os eleitores de baixa
escolaridade, vivendo em uma região com situação econômica mais frágil, acabaram
sendo levados pela propaganda xenófoba e pela crescente polarização das bolhas ideológicas criadas pelas redes sociais.
O padrão de votação na Alemanha é
muito parecido com o de outros países europeus. Os partidos de extrema-direita são mais fortes
entre menos escolarizados. Os partidos tradicionais, tanto de esquerda quanto
de direita, vão melhor entre os mais velhos. E os partidos que tentam romper a
polarização tradicional (SPD x CDU/CSU) obtém mais apoio entre os mais jovens e
de maior escolaridade.
Problema no bolso
A Alemanha mostra que importa
mais a percepção de um problema do que a realidade em si. Os alemães
consideraram a imigração e os refugiados a principal preocupação do país, temas
associados à extrema-direita xenófoba alemã. Mas, o partido que a representa, a
AfD, cresceu justamente com uma base eleitoral numa região onde há menos
imigrantes. Lá, o que ocorreu foi uma associação indireta dos refugiados com a
piora das condições de vida, em uma região economicamente mais vulnerável que a
rica Alemanha Ocidental.
No Brasil, os imigrantes representam uma parcela muito pequena da população, e a
extrema-direita brasileira acaba baseando seu discurso em outras pautas, não
necessariamente a partir da xenofobia. Aqui, essa clivagem política faz uso do
medo da violência e da insatisfação com os escândalos de corrupção para
propagar seu discurso militarista[6]
e contra as minorias, encontrando como interlocutor a figura do deputado federal
Jair Bolsonaro (PSC).
“Famoso por adotar discursos e posições radicais contra valores igualitários de esquerda, contra pautas identitárias de minorias, e a favor da ditadura militar, do rearmamento da população civil, do protecionismo econômico e da ênfase em segurança e ordem” – trecho extraído do texto Nem liberalismo, nem conservadorismo: o populismo reacionário como ideologia do bolsonarismo, de Lucas Paulino.
De fato, a realidade não ajuda. O
Brasil é o país onde há o maior número de homicídios no mundo em números absolutos (55 mil por ano).
No mês de setembro, por exemplo, foi a vez da favela da Rocinha, no Rio de
Janeiro, tomar conta dos noticiários em um drama comum nas periferias das
grandes cidades do país, como mostrou o Atlas de Violência 2017, do Ipea.
No entanto, mesmo mais vulnerável
à violência, quem mais tem demonstrado apoio a Bolsonaro não é a população mais
carente, mas sim os mais ricos, que percebem a corrupção e a violência como um
problema maior para o país do que os serviços públicos (educação, saúde) ou a
situação econômica.
Já os mais pobres, mais
vulneráveis tanto à violência cotidiana quanto às oscilações da economia, vem
demonstrando maior apoio a Lula (PT). Aqui, Lula é visto em oposição a Temer.
Ou seja, enquanto durante o governo Lula (2003-2008) os índices de desemprego
caíram significativamente e o poder aquisitivo aumentou, o período iniciado
pelo governo Temer (a partir de 2016) é julgado pela piora das condições
econômicas - em julho deste ano, o IBGE registrou uma taxa de 12,8% de desemprego, ou mais de 13 milhões de desempregados no
país.
"Mas a taxa de desemprego não está caindo? A recessão não está acabando? Há enorme diferença entre as estatísticas oficiais e a sensibilidade da população. O fato de alguém deixar de ser classificado como desocupado não significa que tenha conseguido o emprego dos sonhos – até porque há cada vez menos bons empregos. A ocupação informal é melhor do que nada, mas não basta para transformar o novo ocupado em fã do governo", trecho extraído do texto Temer empurra Lula, de José Roberto de Toledo para o Estadão.
Em 2018, os resultados das
eleições no Brasil deverão repercutir de alguma forma a maior polarização da
sociedade e a crise da representação como um todo. Mas, acima de tudo, é a
percepção dos problemas do país e o modo como cada fatia da sociedade percebe a
realidade que irão definir o voto.
[2] Sobre os impactos da
reforma trabalhista alemã promovida pelo governo de Gerhard Schröder, do SPD,
em 2005, vale a leitura de um texto de 2013 da jornalista portuguesa Maria João
Guimarães para o Público: bit.ly/2hxU6oM.
[3] Sobre a crise da representação, vale a
leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI),
em especial o artigo Political Support in Advanced Industrial Democracies,
disponível em: bit.ly/1KKhElY. No
Brasil, os dados da pesquisa mais recente do Datafolha mostra que as pessoas continuam considerando
a democracia como melhor sistema de governo, mas esse apoio à democracia está
caindo.
[4] O sistema eleitoral
alemão é complexo. Lá, a escolha de representantes é através de um sistema
misto. Cerca de 40% das vagas é definida por um sistema majoritário, onde há
apenas um eleito em cada zona eleitoral. Já as outras vagas são definidas por
um sistema proporcional, tal qual no Brasil, mas de lista fechada. Ou seja, para
estas cadeiras, o partido define a ordem da lista partidária, mas é o
percentual de votos do partido que define o percentual de cadeiras a ser
destinado a ele. Adiciona-se aí uma cláusula de barreira – os partidos precisam
de ao menos 5% do total de votos em todo o país e vencer em ao menos três
distritos da eleição majoritária para conseguir eleger alguém. Para
facilitar a visualização dos dados, o cálculo de votos de cada partido em cada
eleição está levando em conta apenas os votos em lista partidária. A diferença
desse montante para o voto nas eleições majoritárias não é grande.
[5] A única vez que o SPD
se aliou à CDU e CSU para uma coalizão de governo foi entre 1966 e 1969, com Kurt
Georg Kiesinger, da CDU, como primeiro-ministro.
[6] O discurso militarista
não é novidade e é justamente a fórmula que vem sendo colocada em prática pelo
atual presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Para saber mais como é a
Filipinas de Duterte, vale a leitura do texto do jornalista Daniel Berehulak, do New York Times, traduzido pelo Uol.
Recentemente, o presidente filipino também foi notícia por defender que os pais matem os próprios filhos envolvidos no tráfico de drogas – o filho
de Duterte está sendo investigado por fazer parte de uma organização
criminosa...
Cláudio, a blogosfera anseia pelas suas novas postagens. Multidões de leitores órfãos choram em suas casas, sem notícias suas.
ResponderExcluirOu será que você vai embarcar pelas tramas da fantasia? O convite está de pé.
Roberto, infelizmente não estou dando a atenção necessária à "multidão de leitores".
ResponderExcluirNo segundo semestre do ano passado participei do processo seletivo da pós-graduação da UnB e ainda tive todos os preparativos do meu casamento...
Além disso, tive alguns problemas pessoais, que estão me afastando daqui.
Espero retomar os textos aqui do blog em breve, mesmo com o início da pós. Acho que não faltará assunto neste ano eleitoral!
Abraços