segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Supersalários, superprivilégios

Não é apenas nos reajustes salariais que a desigualdade se manifesta a favor daqueles que estão no topo das carreiras dos três poderes. Os acréscimos aos salários através de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou qualquer outra espécie remuneratória também fazem com que juízes, procuradores, desembargadores, ministros e deputados possuam privilégios que não são comuns em outros países e que acabam acentuando as profundas desigualdades sociais do país.

A remuneração dos ocupantes de cargos públicos dos três poderes é determinada primeiramente pela Constituição Federal. Segundo o texto constitucional (art. 37º), a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos públicos não poderiam exceder o "subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal". A Constituição ainda diz que os vencimentos do Poder Legislativo e Judiciário "não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo" e que é "vedada a acumulação remunerada de cargos e empregos públicos".

Na prática, os salários dos membros da alta cúpula dos três poderes acabam sendo maior que o de R$ 33 mil dos Ministros do STF, muitas vezes acumulando remunerações e privilégios de todo tipo.

Os casos mais escandalosos estão no Poder Judiciário, já bem detalhados no texto do procurador federal Carlos André Studart Pereira "O teto virou piso". Na mesma linha, a revista Época publicou em junho deste ano uma reportagem sobre os adicionais que os membros do Judiciário têm direito, incluindo auxílio-livro, auxílio-transporte e auxílio-educação, dependendo do estado e cargo.

No Legislativo, a lista de benefícios também é grande e vai desde cota telefônica de R$ 500 mensais e cota de serviços gráficos de R$ 8.500 ao ano até verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para gastos com aluguel, gasolina e alimentação nos estados.

Já no Executivo, o que engorda os salários dos ministros são os chamados "jetons" por participação em Conselhos de Estatais e Empresas Públicas. A lista deles pode ser vista em uma reportagem do Estadão de 2012.

Ou seja, enquanto os membros do alto escalão dos três poderes podem acrescentar a seu salário todo o tipo de auxílio, quem recebe um salário mínimo deve, conforme a Constituição Federal (art. 7º), ter atendida suas necessidades vitais básicas e a da sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social apenas com o valor.

Mais uma vez é preciso frisar: há grande diferença entre aqueles que estão no topo dos três poderes para outros funcionários públicos, sem falar no enorme abismo daqueles para com a base da sociedade brasileira.

O salário que deveria atender a todo o tipo de necessidades é acrescido de auxílios dos mais variados tipos, sem falar no maior período de férias, de recesso, licença-prêmio, licença maternidade, licença remunerada para capacitação, entre outros privilégios estabelecidos.

Alguns destes privilégios estão sendo combatidos. O advogado da União Marcelo Roberto Zeni, na condição de cidadão, ajuizou uma ação popular, questionando o acúmulo de remunerações de ministros do Executivo, e a Justiça de Passo Fundo/RS já proibiu os chamados jetons ao menos para os membros deste poder.

Para os membros do Legislativo e Judiciário a coisa é um pouco mais complicada, pois são os próprios privilegiados que legislam e julgam em causa própria. Não há, por exemplo, proposta de alteração da Lei Orgânica de Magistratura, de 1979, que institui a maior parte dos privilégios ao Judiciário (em especial dos artigos 61 a 77). No Legislativo, tramita o Projeto de Decreto Legislativo 569, de 2012, que propõe o fim da “ajuda de custo” para parlamentares em início e fim de mandato, mas ainda é pouco, muito pouco para acabar com as discrepâncias.

Pra acabar, deixo alguns links do blog Cartas da Suécia, da jornalista Claudia Wallin, para reflexão se podemos e devemos continuar com concedendo tantos privilégios a quem deveria defender uma maior justiça social:

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A desigualdade dos reajustes salariais



No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou um aumento salarial de 16,38% para os 11 membros da casa. O argumento usado pelo ministro Ricardo Lewandowski (atual presidente do STF) é que o reajuste iria recompor as perdas inflacionárias de 2009 a 2014 + a estimativa do IPCA de 2015. A proposta ainda precisa passar pelo crivo do Executivo e do Legislativo, mas acho que é uma boa oportunidade para discutir o teto salarial dos chefes dos três poderes.

No Brasil, os maiores salários entre os funcionários públicos ficam com os Ministros do STF e o Procurador Geral da República, juntamente com os Deputados Federais e Senadores, do Legislativo, no valor de R$ 33.763. Os ministros do STJ recebem 95% do teto (R$ 32.075), enquanto a Presidenta e os Ministros do Executivo ficam com R$ 30.934. Cabe lembrar que todos os valores foram reajustados em janeiro de 2015.

E aí? R$ 33.763 é muito? É pouco? É justo? É um bom momento para reajuste?

Aliás, o Executivo já barrou em julho deste ano um reajuste de 53% a 78,56% para os funcionários do Judiciário de nível mais baixo (proposto pelo PLC nº28/2015). Só como referência, atualmente, um Analista Judiciário (Nível Superior) recebe entre R$ 4.633,67 a R$ 6.957,41; um Técnico Judiciário (Nível Médio) de R$ 2.824,17 a R$ 4.240,47; e um Auxiliar Judiciário (Ensino Fundamental) de R$ 1.447,43 a R$ 2.511,37. E os valores não são reajustados desde 2006.

Apenas com as informações acima já podemos ver como aqueles que estão mais acima do nível hierárquico têm não só mais poder de barganha, dada sua influência, como têm um poder de agenda para definir seu próprio salário, mesmo que o valor ainda precise ser aprovado pelos líderes dos outros poderes.

Desse modo, o salário dos líderes dos três poderes acabam sendo reajustados praticamente todo ano, enquanto os analistas que trabalham nos três poderes podem acabar ficando sem reajuste por muito mais tempo.

Como referência de salário para funcionários públicos, cabe a comparação com o salário mínimo. No Brasil, o valor atual é de R$ 788 e vem sendo atualizado desde 2008 de acordo com a inflação do ano anterior e com o crescimento do PIB.

Aí vamos para a brutal diferença salarial entre quem está no topo e quem está na base. O salário da presidenta é mais de 39 vezes superior ao salário mínimo. Isso é próximo a países como Índia e Rússia, mas muito acima de países europeus.


Salário Anual do Presidente¹
(em US$)
Salário Mínimo Anual²
(em US$)
Salário presidencial/ Salário mínimo
Índice de Gini³
Rússia
136.000
1.865
72,9
39,7
Índia
30.300
767
39,5
33,6
Estados Unidos
400.000
15.080
26,5
41,1
Japão
202.700
13.291
15,3
38,1
Canadá
260.000
19.181
13,6
33,7
Reino Unido
214.800
21.246
10,1
38,0
Alemanha
234.400
23.750
9,9
30,6
China
22.000
2.541
8,7
37,0
França
194.300
23.205
8,4
32,7
¹Fonte: CNN Money
²Fonte: US State Department/World Bank
³Fonte: World Bank

A diferença salarial da presidenta do país e dos ministros do STF para o salário mínimo faz paralelo com a desigualdade social no Brasil. Dos nove países listados acima, nenhum tem uma desigualdade tão grande como a brasileira. Enquanto a Rússia, por exemplo, tem seu coeficiente de Gini (que mede a desigualdade social) na faixa de 39,7, o índice brasileiro ficou em 52,7 em 2012, segundo o Banco Mundial.

Agora eu volto a perguntar: reajuste salarial de 14,6% em 2015 para os líderes dos três poderes e 8,8% de reajuste para o salário mínimo é justo? E seguido por reajuste de 16,38% para os líderes dos três poderes e 8,4% para o salário mínimo em 2016?

Enquanto permanecermos com uma das maiores desigualdades sociais do mundo, enquanto tivermos uma grande parcela da população sem acesso aos serviços básicos, enquanto o salário mínimo não for suficiente para atender às despesas básicas de uma família[1], um reajuste como o proposto pelo STF é vergonhoso.

A diferença de salário de quem está no topo do funcionalismo público para quem está na base já é muito grande. Portanto, não faz sentido que os reajustes do topo sejam maiores. Se alguém deve receber reajuste maior que a inflação é quem ganha menos.

Nossos procuradores, juízes, ministros, deputados não podem, não devem exigir equiparação de perdas inflacionárias enquanto a base de nossa sociedade não receber minimamente os direitos que eles deveriam assegurar.

Evitar esse tipo de distorção será necessário para iniciar um caminho de maior inclusão social.


[1] Segundo o DIEESE, o salário mínimo necessário para atender às despesas básicas de uma família deveria ser de R$ 3.325,37: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Seus justos cabelos

Nos últimos meses, graças aos queridos amigos paladinos da justiça, funcionários do Judiciário, tenho ouvido dia após dia um grande hit da música popular brasileira.

Pra quem não sabe, trabalho em Brasília em um prédio no Setor de Autarquias Sul, cercado por todos os lados de órgãos do Judiciário.

Pois bem, há dois meses, nossos companheiros do Judiciário entraram em greve, tendo como principal reivindicação o PLC 28/2015, aprovado pelo Congresso e vetado pela presidência, que previa reajuste de 53% a 78,5%, de acordo com o cargo.
Como tática de guerrilha, os grevistas vêm utilizando então uma música, mmmmmmm, um tanto marcante para embalar os piquetes: https://www.youtube.com/watch?v=1s83YJrR4t8
A canção é baseada em um clássico de Gal Costa:https://www.youtube.com/watch?v=rjdjZ-fi3k0 ou talvez em outro de Cascatinha & Inhana: https://www.youtube.com/watch?v=FVm7YA8
o5ZU 

Enfim, nesses dois meses tenho ouvido praticamente todos os dias, no repeat, ecoando pelas paredes de Brasília, o grande hit de Tiririca!

Eis minha surpresa que hoje, justo hoje, 11 de agosto, o hit não foi tocado!

No 11 de agosto, Dia do Jurista, Dia do Advogado, DIA DO PENDRURA, os tribunais não abriram. É feriado para aqueles que carecem de privilégios!

Ah, Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu! #sqn

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Todos a bordo

Sempre morei perto de alguma estação de metrô. Já passei por três cidades e cinco casas diferentes, mas nunca longe de um buraco no meio da rua que me pudesse levar pra outros cantos da metrópole.

Sou da zona sul de São Paulo, já morei em Barcelona, e hoje moro em Brasília, vendo o mundo sempre de uma janela em movimento.

Não me esqueço das vezes que viajava de metrô quando criança e amassava minha cara na janela do trem tentando ver o que se passava do lado fora. Tentando ver o que existia naquele túnel tão misterioso.

Um dos meus pesadelos frequentes na infância, inclusive, era justamente sobre um túnel de trem da baixada santista, onde passei vários verões.

Hoje, continuo curioso. Os túneis e as locomotivas que me transportam são outros, mas a necessidade insaciável de entender o que se passa do lado de fora continua lá, à procura de mais perguntas, à procura de expressões que possam me ajudar a guiar esse trem desgovernado em que estamos e que viajamos aflitos.

Espero aqui neste espaço compartilhar com vocês essas aflições. Tudo aquilo que consigo ver da janela do trem!