segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Brasil e Alemanha - qual bolso importa?



Pra você, qual é o principal problema do Brasil?

Saúde?  Educação?

Na última pesquisa do Datafolha, de setembro de 2017, foi perguntado não o principal problema, mas qual tema será mais decisivo para a escolha do candidato a presidente em 2018. 31% dos brasileiros apontaram a saúde como fator decisivo, seguido por corrupção (18%), educação (17%), emprego (14%) e segurança (10%).

Esses números não são estáveis durante o tempo nem iguais no mundo todo ou nas diferentes clivagens sociais. Por exemplo, se considerarmos apenas a população com renda superior a 10 salários mínimos, ao invés da saúde, a corrupção é a apontada como área mais decisiva, com 28%. Para os mais ricos, segurança também é percebida como um problema mais relevante do que a média. Já entre os mais os pobres, a saúde e geração de empregos são percebidas como problemas mais importantes do que para os mais ricos.


Se há grandes diferenças entre as diferentes classes sociais no modo como percebemos os principais problemas da sociedade, essas classes também devem se comportar de modo distinto em relação ao voto.

Mas antes de falar mais sobre o Brasil, vamos ver os problemas e voto na Alemanha.

Eleições Alemãs

Os alemães foram às urnas no dia 24 de setembro não com o desemprego nem com a violência como principais problemas para a população. Segundo dados do instituto de pesquisa alemão Infratest Dimap, 44% dos alemães colocaram os refugiados e a imigração como principal problema do país. Desemprego aparece somente como quinto problema, com 12%, e segurança (incluindo aí terrorismo) o sexto, com 11%[1].

O cenário é bem diferente do de 2013, época das últimas eleições. Há quatro anos, o desemprego havia sido apontado como principal problema do país em um contexto de medo de volta da recessão econômica. Com a crise econômica de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) alemão caiu bastante em 2009, acabou se recuperando nos dois anos seguintes, mas entre 2011 e início de 2013 o crescimento econômico alemão caia trimestre a trimestre, recuperando-se de fato somente a partir da segunda metade de 2013. Em compensação, apesar da preocupação dos alemães com os postos de trabalho, a taxa de desemprego no país só vem caindo, mesmo com a crise de 2008.

Hoje, os níveis de desemprego estão baixíssimos e a economia parece não sofrer mais os mesmos riscos de recessão. Tudo isso graças à balança comercial favorável, que garantiu não só 46% do PIB alemão mas também um superávit de 280 bilhões, o segundo maior do mundo. Ao mesmo tempo, a Alemanha vem promovendo reformas trabalhistas a partir de 2005, que precarizou flexibilizou os tipos de contrato de trabalho, tornando as admissões e demissões mais fáceis, diminuindo o acesso ao seguro-desemprego e criando um tipo de trabalho em tempo parcial com salários mais baixos e livre de impostos, os “mini-job”[2].

No entanto, o emprego e as exportações não estão distribuídos igualmente pelo território alemão. A maior parte das exportações e, consequentemente, onde há menos desemprego, está na região do vale do rio Reno, nos estados da Baden-Württemberg, Baixa Saxônia e Renânia do Norte-Westphalia, e também na Bavária.


Com emprego, ainda que precário, o tema que mais tem impactado a vida dos alemães nos últimos dois anos tem sido a questão da imigração. E não é por acaso. A Alemanha é o principal destino dos refugiados das zonas de guerra no Oriente Médio, principalmente da Síria. Foram mais de 745 mil pedidos de asilo somente em 2016, praticamente metade de toda a Europa. Em 2015, segundo o governo alemão, foi registrada a entrada de cerca de 1 milhão de refugiados no país. É muita coisa para um país de 82 milhões de pessoas!


Crise da representação

Os alemães mantém uma democracia estável desde o fim da segunda mundial baseada na polarização entre SPD e a aliança CDU/CSU. Mesmo após a reunificação das Alemanhas, em 1990, o poder tem sido dividido basicamente entre essas duas principais forças políticas. No entanto, a Alemanha também faz parte de um processo de crise da representação política que afeta todas as democracias ocidentais. A descrença em relação à política[3], aos governantes e ao processo eleitoral vem ganhando força desde os anos 1970 e chegou a um novo patamar com o movimento Democracia Real Ya na Espanha a partir da crise econômica de 2008.

Na Alemanha, esse movimento também vem fazendo os partidos tradicionais perderem eleitores. SPD e a aliança CDU+CSU conquistavam até 2002, juntos, cerca de 36 milhões votos para o parlamento alemão, ou seja, quase 60% dos votos possíveis[4]. Já em 2017, a soma desses votos é de 24 milhões, menos de 40% dos votos possíveis.

Quem mais caiu de lá para cá foi o SPD, partido de centro-esquerda alemão. Após dois governos de coalização com os Verdes, o SPD optou em 2005 por liderar a coalização governamental justamente ao lado de seus principais rivais (CDU+CSU) [5]. Foi também a partir de 2005 que o então chanceler Gerhard Schröder promoveu as reformas Hartz, que precarizaram flexibilizaram as relações de trabalho.

Já a aliança entre CDU e CSU se manteve como partido mais votado na eleição de 2017 e deve reconduzir Angela Merkel à liderança do governo. O problema desta vez foi o crescimento considerável da AfD (Alternativa para Alemanha), partido de extrema-direita alemão, fundado fundada em 2013 por um grupo de professores universitários e líderes empresariais alemães favoráveis à dissolução da zona do Euro e contra a política migratória de Angela Merkel, que permitiu a entrada massiva de imigrantes refugiados ao país.

Até então, a extrema-direita vinha sendo representada principalmente pelo NPD (Partido Nacional Democrático da Alemanha) e nunca havia conseguido eleger nenhum deputado para o Bundestag (Parlamento Alemão) desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desta vez, o AfD, que já tinha tido mais de 2 milhões de votos em 2013, dobrou de tamanho, obteve 5,8 milhões de votos e ainda elegeu 94 deputados (13%).

 Quando analisamos o perfil do eleitor de cada partido, encontramos um padrão parecido com outras democracias europeias. O voto da CDU/CSU é maior justamente nas regiões exportadoras da Bavária e do Vale do Rio Reno.

Justamente nos estados mais ricos do oeste do país, onde estão as 10 maiores indústrias alemãs, e com menor menores taxas de desemprego é que o partido Angela Merkel vem obtendo o apoio necessário para se manter no poder.
Já a AfD, partido de extrema-direita que se tornou a terceira força da política alemã, apresentou melhores resultados justamente no Leste do país, onde há maior desemprego e onde há menos migrantes.

Vejam, o Leste alemão não é a parte do país que mais recebe imigrantes, mas os eleitores de baixa escolaridade, vivendo em uma região com situação econômica mais frágil, acabaram sendo levados pela propaganda xenófoba e pela crescente polarização das bolhas ideológicas criadas pelas redes sociais.

O padrão de votação na Alemanha é muito parecido com o de outros países europeus. Os partidos de extrema-direita são mais fortes entre menos escolarizados. Os partidos tradicionais, tanto de esquerda quanto de direita, vão melhor entre os mais velhos. E os partidos que tentam romper a polarização tradicional (SPD x CDU/CSU) obtém mais apoio entre os mais jovens e de maior escolaridade.

Problema no bolso

A Alemanha mostra que importa mais a percepção de um problema do que a realidade em si. Os alemães consideraram a imigração e os refugiados a principal preocupação do país, temas associados à extrema-direita xenófoba alemã. Mas, o partido que a representa, a AfD, cresceu justamente com uma base eleitoral numa região onde há menos imigrantes. Lá, o que ocorreu foi uma associação indireta dos refugiados com a piora das condições de vida, em uma região economicamente mais vulnerável que a rica Alemanha Ocidental.

No Brasil, os imigrantes representam uma parcela muito pequena da população, e a extrema-direita brasileira acaba baseando seu discurso em outras pautas, não necessariamente a partir da xenofobia. Aqui, essa clivagem política faz uso do medo da violência e da insatisfação com os escândalos de corrupção para propagar seu discurso militarista[6] e contra as minorias, encontrando como interlocutor a figura do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC).
 “Famoso por adotar discursos e posições radicais contra valores igualitários de esquerda, contra pautas identitárias de minorias, e a favor da ditadura militar, do rearmamento da população civil, do protecionismo econômico e da ênfase em segurança e ordem” – trecho extraído do texto Nem liberalismo, nem conservadorismo: o populismo reacionário como ideologia do bolsonarismo, de Lucas Paulino.
De fato, a realidade não ajuda. O Brasil é o país onde há o maior número de homicídios no mundo em números absolutos (55 mil por ano). No mês de setembro, por exemplo, foi a vez da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, tomar conta dos noticiários em um drama comum nas periferias das grandes cidades do país, como mostrou o Atlas de Violência 2017,  do Ipea.

No entanto, mesmo mais vulnerável à violência, quem mais tem demonstrado apoio a Bolsonaro não é a população mais carente, mas sim os mais ricos, que percebem a corrupção e a violência como um problema maior para o país do que os serviços públicos (educação, saúde) ou a situação econômica.
 

Já os mais pobres, mais vulneráveis tanto à violência cotidiana quanto às oscilações da economia, vem demonstrando maior apoio a Lula (PT). Aqui, Lula é visto em oposição a Temer. Ou seja, enquanto durante o governo Lula (2003-2008) os índices de desemprego caíram significativamente e o poder aquisitivo aumentou, o período iniciado pelo governo Temer (a partir de 2016) é julgado pela piora das condições econômicas - em julho deste ano, o IBGE registrou uma taxa de 12,8% de desemprego, ou mais de 13 milhões de desempregados no país.
 

"Mas a taxa de desemprego não está caindo? A recessão não está acabando? Há enorme diferença entre as estatísticas oficiais e a sensibilidade da população. O fato de alguém deixar de ser classificado como desocupado não significa que tenha conseguido o emprego dos sonhos – até porque há cada vez menos bons empregos. A ocupação informal é melhor do que nada, mas não basta para transformar o novo ocupado em fã do governo", trecho extraído do texto Temer empurra Lula,  de José Roberto de Toledo para o Estadão.
Em 2018, os resultados das eleições no Brasil deverão repercutir de alguma forma a maior polarização da sociedade e a crise da representação como um todo. Mas, acima de tudo, é a percepção dos problemas do país e o modo como cada fatia da sociedade percebe a realidade que irão definir o voto.


[1] A soma dá mais de 100%, pois são contadas todas as menções.
[2] Sobre os impactos da reforma trabalhista alemã promovida pelo governo de Gerhard Schröder, do SPD, em 2005, vale a leitura de um texto de 2013 da jornalista portuguesa Maria João Guimarães para o Público: bit.ly/2hxU6oM.
[3] Sobre a crise da representação, vale a leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political Support in Advanced Industrial Democracies, disponível em: bit.ly/1KKhElY. No Brasil, os dados da pesquisa mais recente do Datafolha mostra que as pessoas continuam considerando a democracia como melhor sistema de governo, mas esse apoio à democracia está caindo.
[4] O sistema eleitoral alemão é complexo. Lá, a escolha de representantes é através de um sistema misto. Cerca de 40% das vagas é definida por um sistema majoritário, onde há apenas um eleito em cada zona eleitoral. Já as outras vagas são definidas por um sistema proporcional, tal qual no Brasil, mas de lista fechada. Ou seja, para estas cadeiras, o partido define a ordem da lista partidária, mas é o percentual de votos do partido que define o percentual de cadeiras a ser destinado a ele. Adiciona-se aí uma cláusula de barreira – os partidos precisam de ao menos 5% do total de votos em todo o país e vencer em ao menos três distritos da eleição majoritária para conseguir eleger alguém. Para facilitar a visualização dos dados, o cálculo de votos de cada partido em cada eleição está levando em conta apenas os votos em lista partidária. A diferença desse montante para o voto nas eleições majoritárias não é grande.
[5] A única vez que o SPD se aliou à CDU e CSU para uma coalizão de governo foi entre 1966 e 1969, com Kurt Georg Kiesinger, da CDU, como primeiro-ministro.
[6] O discurso militarista não é novidade e é justamente a fórmula que vem sendo colocada em prática pelo atual presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Para saber mais como é a Filipinas de Duterte, vale a leitura do texto do jornalista Daniel Berehulak, do New York Times, traduzido pelo Uol. Recentemente, o presidente filipino também foi notícia por defender que os pais matem os próprios filhos envolvidos no tráfico de drogas – o filho de Duterte está sendo investigado por fazer parte de uma organização criminosa...

terça-feira, 6 de junho de 2017

Por que as pessoas morrem?



Mais de 1,3 milhão de pessoas morrem no Brasil todo ano. A grande maioria de morte morrida, claro, mas há os de morte matada também. Em 2015, foram 59.080 homicídios, segundo informações do Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), publicado na última segunda-feira (05/jun).

Os dados são de barbárie!

Principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde há mais de 35 homicídios por 100 mil habitantes, o valor é superior a de países em guerra. E quem mais sofre com esse genocídio é a população jovem e negra: entre 2005 e 2015, mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil; de cada 100 pessoas que sofrem homicídio, 71 são negras!

É muita coisa!



Além dos homicídios, morre-se muito no Brasil por causa de acidentes de trânsito. Foram mais de 39,5 mil mortes somente em 2015. A maioria dessas mortes está, em termos absolutos, no Nordeste e Sudeste, mas em termos relativos o Centro-Oeste é onde há mais mortes no trânsito por habitante


Além dos números surreais de mortes por homicídio e no trânsito, há muitas mortes no Brasil por questões de saúde. Por complicações cardiovasculares e respiratórias, somadas, são mais algumas centenas de milhares todo ano no Brasil.

Todos esses dados podem ser visualizados através do Datasus, mantido pelo Ministério da Saúde. Não é muito simples nem muito intuitivo chegar aos dados, mas com bastante persistência e usando o Serviço Eletrônico de Informação ao Cidadão (E-SIC) dá pra obter uma infinidade de números sobre mortes no país.

Pra quem quer informações um pouco mais fáceis de manipular e comparáveis com outros países, o Institute for Healt Metrics and Evaluation (IHME) mantém um portal com informações bem abrangentes.


Sobre o Brasil, é possível ver, por exemplo, o ranking de causas de mortes no país e o ranking por causas prematuras em http://www.healthdata.org/brazil. Um evolutivo, por causa de morte, por país, por ano, por idade, por sexo, e por qualquer outra variável que vier à cabeça, é possível achar em: https://vizhub.healthdata.org/cod/. Os mesmos dados em formato de tabela ainda podem ser baixados em: http://ghdx.healthdata.org/gbd-results-tool.

Nesses links, é possível encontrar ainda dados de outros países. Mas só para China e Estados Unidos você encontra já pronto mapas por município com as taxas de mortalidade.

Nos Estados Unidos, o que tem saltado aos olhos de muita gente são as mortes por uso de drogas à base de opiáceos (à base de ópio)! Muitas vezes, esses opiáceos são analgésicos prescritos por médicos. No geral, essa “epidemia” de overdoses já ultrapassou a de HIV e de mortes por armas de fogo dos anos 1990’s e da de acidentes de trânsito dos anos 1970’s.


Em um artigo de dois pesquisadores da Universidade de Princeton pode-se observar como essas mortes por desespero – drogas, álcool e suicídio – estão crescendo nos Estados Unidos, principalmente entre a população branca de meia-idade, a mais afetada também pelo desemprego e pela crise econômica de 2008. Em outro estudo, um grupo de pesquisadores das universidades de Indiana e Virginia tentou identificar como a taxa de desemprego pode afetar o uso e as mortes por overdose de drogas.

Não sei pra vocês, mas pra mim é bastante sintomático que um país com políticas sociais do tipo liberal sofra desse tipo de epidemia muito mais que os países europeus, de políticas sociais mais próximas ligadas à social-democracia. Um artigo de dois pesquisadores holandeses da Universidade de Amsterdam estuda justamente essa possível ameaça aos europeus frente aos dados dos Estados Unidos. 


Bem, países diferentes têm “epidemias” de mortes diferentes, mas todo o mundo está sujeito a falácias e políticas públicas equivocadas. Se no Brasil tenta-se coibir os homicídios com mais aprisionamentos, agravando a guerra entre policiais militares e jovens de periferia, a guerra contra as drogas também pode ser um antídoto tão ineficaz quanto políticas militarizantes para homicídios. Vejam, as mortes não naturais, como as por homicídios, suicídios e overdoses têm mais a ver com razões sociais que de saúde ou de segurança pública! Quando um político decretar guerra contra as drogas ou guerra contra bandidos, olhe bem para os dados e não se deixe levar por nenhuma charlatanice!

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Vale a pena ser moderado? - As eleições francesas



No fim dos anos 1990’s, o então primeiro-ministro britânico Tony Blair (Partido Trabalhista) liderou uma série de reuniões com figuras como Bill Clinton (EUA), Fernando Henrique Cardoso (Brasil) e Gerhard Schröder (Alemanha), em um movimento que ficou conhecido como Terceira Via. A ideia era revisar, atualizar e discutir a social democracia e criar um novo paradigma hegemônico mundial, pós-neoliberarismo, de Margaret Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos), pós-Consenso de Washington e pós-queda do Muro de Berlim. O movimento tinha o sociólogo Anthony Giddens como seu principal intelectual e rejeitava tanto o socialismo quanto o liberalismo. Em resumo, a Terceira Via era uma espécie de releitura do socioliberalismo ou liberalismo social do início do século XX, que defende crescimento econômico, empreendedorismo e liberdades econômicas mas também é a favor de que o Estado tenha um papel importante em garantir justiça social.

A Terceira Via como movimento não produziu muito, mas, de todo modo, Blair, FHC, Clinton e Schröder, todos de grandes (e tradicionais) partidos em seus países, foram, em alguma medida, expressão de um mundo que tentava superar a guerra-fria e a polarização socialismo x liberalismo. No fim, esses políticos foram consequência de uma tendência que fez com que os partidos tradicionais se movimentassem em direção ao centro do espectro ideológico para ampliar seu eleitorado[1]. A ideia de Terceira Via não durou muito, mas parecia que esse movimento em direção ao centro seria duradouro e que posições centristas é que teriam maior possibilidade de sucesso eleitoral. 

Nova Política
Após a crise econômica mundial de 2008, a crise de representação das democracias ocidentais se agravou[2]. Novos partidos e novas lideranças políticas surgiram pelo mundo rejeitando a política tradicional. O movimento Democracia Real Ya, da Espanha, também ajudou a repensar a representação política e o modo de participação política dos cidadãos. Com isso, há novos atores reivindicando o "novo" na política: à esquerda, essa nova política tem se apoiado em uma maior participação direta do cidadão e em movimentos sociais mais horizontais, em contraponto aos sindicatos tradicionais; à direita, parece que a nova política também rejeita a figura do político tradicional, que faz carreira e aceita as regras do partido, mas, além disso, os políticos emergentes na direita têm revisitado o populismo, tal qual o cientista político americano Jan-Werner Müller define o termo:  “antipluralismo, isto é, a negação da legitimidade aos adversários político os ou de minorias políticas”.

E no centro? Há novidade no centro? 

Em Marcha
A eleição de Emmanuel Macron, na França, é, até agora, a maior expressão do centro na política atual. Vejamos: Macron foi secretário adjunto e ministro durante quase todo o mandato do socialista François Hollande, a partir de 2012, mas aos menos desde 2009 já vinha mostrando sua contrariedade em relação aos rumos do PS francês. Como centrista, Macron fundou em 2016 o seu próprio partido, o En Marché! , com uma plataforma mais próxima ao socioliberalismo: Macron defendeu ao longo da campanha cumprir a meta de 3% de déficit orçamentário (o mais rigoroso entre os candidatos), defendeu a redução de impostos e uma flexibilização das leis trabalhistas mas, ao mesmo tempo, defende, em alguma medida, um modelo sueco de desenvolvimento na França, além de liberdade individuais, como uma maior flexibilização do uso da maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Já vi gente comparando Macron com o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau (Partido Liberal) e até com Barack Obama (Democrata), mas até pela estrutura partidária nova e pela origem na esquerda, acho mais viável comparar o En Marché! com o Ciudadanos, da Espanha. 

Eleições indignadas
E como Macron, um centrista assumido, conseguiu se eleger em tempos de bolhas ideológicas nas redes sociais? Como, afinal, um discurso moderado teve projeção em uma era de extremos?
Pra tentar entender o sucesso de Macron, primeiro vejamos os resultados das eleições presidenciais francesas nas últimas décadas:


Realmente, não é de hoje que há grande fragmentação do voto nas eleições presidenciais francesas. Em primeiro turno, poucas vezes algum partido superou os 20% do eleitorado (se contarmos também os votos inválidos e abstenções). Porém, essa fragmentação sempre teve os partidos tradicionais como protagonistas e reais competidores. Não à toa, quase todos os segundos turnos foram disputados entre o Partido Socialista, de Lionel Jospin e François Hollande, e Republicanos, de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy. Mas sempre houve ao menos mais três forças consideráveis nas eleições: a extrema direita, com a Frente Nacional de Jean-Marie e Marine Le Pen; a esquerda, seja com a atual França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, ou com o Novo Partido Anticapitalistas, a Frente de Esquerda, a Liga Comunista Revolucionária ou com o Partido Comunista; além do centro, do En Marché, de Macron, ou da União pela Democracia Francesa (UDF).

O que acredito que seja importante ver com a evolução do voto na França é o reposicionamento dos partidos após a crise econômica de 2008 e de movimentos como o dos Indignados ou o NuitDebout. Desde a eleição de 2007, tanto republicanos como socialistas vêm perdendo eleitores. Primeiro, foram os republicanos, que estavam no poder no ápice da crise. Depois, e de forma mais drástica, foi a queda do Partido Socialista, que não adotou as políticas que se espera de um partido de esquerda. O resultado foi retumbante! De primeiro colocado, os socialistas caíram para a quinta posição na eleição deste ano, enquanto republicanos viram perder a liderança na direita para os extremistas da Frente Nacional.

Quando vemos quem votou em cada um dos candidatos, o quadro fica mais claro:















Mélenchon se saiu melhor em grandes centros urbanos, incluindo Paris, roubando voto do Partido Socialista. Macron também parece ter roubado votos na esquerda, em especial dos mais ricos e com mais escolaridade.

Le Pen cresceu à direita com votos dos mais pobres, dos desempregados e com menos escolaridade, enquanto Fillon teve melhor resultado entre os mais ricos e os mais velhos[3].
O número de abstenções, votos brancos e votos nulos também vêm crescendo desde 2008, mostrando que a crise da representação é mesmo geral e irrestrita nas democracias ocidentais. 


O centro nas eleições de 2018
Se Macron ao centro teve êxito nas eleições francesas, será que há espaço para sucesso do centro nas eleições de 2018 no Brasil? E quem representa esse centro?

Pra mim, esse centro é ocupado hoje por Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, mas suas chances de vitória dependem de uma série de fatores que me parecem pouco prováveis de acontecer. Vejamos:
O partido tradicional da esquerda francesa, o Partido Socialista, chegou para as eleições de 2017 totalmente desacreditado e com um governo de baixíssima aprovação popular, tal qual o PSOE espanhol do então primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero entrou nas eleições de 2011. Na França, o resultado foi uma queda profunda do PS, que perdeu votos tanto para a nova esquerda, de Mélenchon como para o centro de Macron. Na Espanha, a queda do PSOE foi mais gradual. Em 2011, esse movimento pela nova política ainda estava engatinhando. E, hoje, o PSOE ainda disputa a liderança da esquerda espanhola com o Podemos de igual para igual. Já no Brasil o PT também está em queda livre, como mostraram as eleições municipais de 2016,  mas, aqui, Psol ou qualquer outro novo partido ainda não ameaçam a supremacia petista na esquerda. Além disso, Lula desponta como candidato do PT para presidência em 2018. Seria como Felipe González ou François Miterrand disputassem as eleições na Espanha ou na França, respectivamente, após longos (e populares) mandatos entre os anos 1980’s e 1990’s.

Se não bastasse a presença de Lula, presidente nos tempos de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, a Rede Sustentabilidade, tal qual o En Marché! ou o Ciudadanos atraem um eleitorado muito específico. Na verdade, os novos partidos políticos têm tido melhor desempenho entre os eleitores com maior escolaridade. Na França, onde cerca de 30% das pessoas tem Ensino Superior isso pode não ser um empecilho condicionante, mas no Brasil, onde menos de 10% das pessoas tem Ensino Superior, isso pode sim ser decisivo!

Também pesou a favor de Macron a enorme rejeição ao populismo xenófobo de Le Pen. Por mais que a Frente Nacional venha crescendo após a crise de 2008, a rejeição a esse tipo de propostas da extrema-direita encontra uma forte resistência para superar um certo patamar. No Brasil, o similar à Frente Nacional pode ser personificado na figura do deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC/RJ). Ele também representa a extrema-direita, a xenofobia, além da misoginia e do militarismo. Bolsonaro também vem crescendo nas pesquisas eleitorais e aparece como potencial candidato a ir para o segundo turno. E, para Marina, acredito que o ideal seria mesmo enfrentar Bolsonaro em um eventual segundo turno e não um candidato do PT ou do PSDB. O problema seria chegar lá.

De todo modo, Marina Silva empacou nas pesquisas enquanto João Doria Jr (PSDB) e Lula (PT), além de Bolsonaro, despontam como candidatos mais competitivos.

As eleições de 2016 mostraram  que o PT perdeu muitos votos em comparação a 2012, principalmente nas periferias, mas ao mesmo tempo essas regiões foram onde as abstenções e os votos brancos e nulos mais crescerem. Esse eleitorado, com menos escolaridade, não vem se mostrando um potencial eleitorado dos novos partidos. Me parece que esse tipo de eleitor tende a permanecer sem votar em ninguém. Se apatia eleitoral não estiver tão alta, acho mais provável esse voto nas periferias voltar para o PT ou mesmo, como mostra a eleição francesa, esses eleitores podem se deixar levar pela onda populista de extrema-direita.

Por causa da influência do populismo e seu poder de sobre os menos escolarizados, da forte polarização da sociedade e do modo como as redes sociais ajudam isolar essas posições antagônicas, a esquerda, como mostrou o sociólogo Celso de Rocha de Barros em sua coluna na Folha de S. Paulo,  não há, “no momento, qualquer incentivo para a esquerda moderar seu discurso". Enquanto o centro, com Marina Silva, não consegue gerar repercussão na sociedade por mais vezes que Marina se manifeste nas redes sociais.

Em uma eleição pulverizada, como se mostram as mais recentes eleições, muita coisa pode acontecer, mas ainda acho difícil nos dias de hoje, de extremos ideológicos,  que os partidos e o eleitor se movam em direção ao centro, tal como parecia que iria acontecer na época em que se discutia a Terceira Via.

[1] Pode-se encontrar na Ciência Política diversos autores que identificaram uma guinada ao centro dos principais partidos ao longo do século XX. Otto Kirchheimer foi o primeiro a usar o termo partido catch-all; Angelo Panebianco falou em organização "profissional-eleitoral". Enfim, há nomenclaturas para a profissionalização dos partidos, mas não exatamente para a tentativa do controle do centro, como aconteceu com a Terceira Via para partidos já profissionais e institucionalizados. Hoje, com o crescimento da apatia eleitoral das bolhas ideológicas nas redes sociais, o centro parece ter deixado de ser atraente para os partidos terem êxito eleitoral.
[2] Alguns estudos na Ciência Política vêm mostrando que as pessoas continuam acreditando na democracia como melhor sistema de governo, mas elas se sentem desacreditadas no atual formato de representação política, via partidos políticos e sindicatos, dando preferência à entrada de novos atores ao sistema. Sobre crise da representação, vale a leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political Support in Advanced Industrial Democracies, disponível em: bit.ly/1KKhElY. É possível também ver indícios dessa crise com os dados de confiança da população norte-americana nos governos: de mais de 70% no fim dos anos 1950s para menos de 20% no governo Obama(a pesquisa completa da Pew Research pode ser vista nas 14 páginas de Beyond Distrust: How Americans View their Government). Também não por coincidência, o número de protestos no mundo vêm aumentando a cada ano.
[3] Os mapas de votação das eleições francesas podem apontar para várias interpretações diferentes. É possível ver, por exemplo, semelhanças nos votos para a esquerda com a França do Império Angevino (séc. XII) ou mesmo com a França de maioria Huguenote (séc. XVII), enquanto a direita se assemelha mais à França do Império Sacro Romano-Germânico (séc. XII) e com a de maioria católica (séc. XVII)Esses mapas praticamente se sobrepõem à divisão de votos hoje, entre esquerda e direita, como em 2012 e 2017.