Depois de alguns balões de ensaio, o governo Temer parece que finalmente vem mostrando a que veio.
Após aprovar no Congresso a PEC do Teto dos Gastos[1],
a bola da vez é a Reforma da Previdência (PEC 287/2016).
A proposta do governo contém vários pontos que devem mexer
bastante com as regras para se aposentar. Entre as principais mudanças, estão:
- Elevação da idade mínima de aposentadoria de 65 anos tanto
para homens quanto para mulheres (hoje, mulheres podem aposentar a partir dos
60 anos)
- Mecanismo de ajuste da idade mínima de acordo com o
aumento da expectativa de vida da população brasileira. Se hoje a expectativa é de 75 anos, quando aumentar para 76, por exemplo, a idade
mínima para se aposentar aumentaria também um ano, indo para 66 anos. Cabe
lembrar que o IBGE prevê que a expectativa em 2060 será de 81 anos
- Elevação do tempo mínimo de contribuição de 15 para 25
anos
- Mudança do cálculo para definir o valor da aposentadoria:
hoje, para receber o valor integral da aposentadoria (de sua média salarial), é
preciso que a soma da idade mais o tempo de contribuição chegue a 85 anos para
mulheres e 95 anos para homens. Com a proposta do governo, o cálculo do
benefício passa a ser equivalente a 76% de sua média salarial mais um ponto
percentual por ano de contribuição adicional (além dos 25 exigidos). Logo, para
ter direito à aposentadoria integral será preciso somar 49 anos de contribuição
-Proibição do acúmulo da pensão por morte com a
aposentadoria, além de mudança do cálculo do valor da pensão: com a proposta, o
valor pago à viúva ou ao viúvo será de 50% da aposentadoria do(a) morto(a) com
um adicional de 10% para cada dependente, limitado a 100% da aposentadoria
do(a) falecido(a)
- O trabalhador rural passará a ter de contribuir (mediante
alíquota diferenciada) para a previdência, de forma individualizada, para poder
ter direito à aposentadoria. Hoje, ele não é obrigado a contribuir. Também não
haverá idade reduzida para segurado especial (agricultor familiar, pescador
artesanal e o indígena que exerce sua atividade em regime de economia
familiar). Hoje, o segurado especial tem direito a se aposentar 5 anos antes do
trabalhador urbano.
Bem, e por que mudar as regras da aposentadoria? Por que
tornar mais difícil o acesso aos benefícios previdenciários?
A explicação dada pela equipe econômica do governo Temer é que a Previdência hoje é
deficitária e que é necessário alterar as regras para evitar seu crescente
financiamento junto ao Tesouro Nacional ou mesmo endividamento do país. Pior, a
sociedade brasileira está envelhecendo, há cada vez menos gente contribuindo e
mais gente recebendo aposentadoria[2].
De fato, o governo tem alguma razão. Primeiro, é preciso
reconhecer que há sim déficit! Em 2015, as despesas para 28 milhões de beneficiários da previdência ficaram em 7,6% do PIB, enquanto a arrecadação ficou em 6,1%. A projeção do governo,
se nada for feito, é que esse déficit irá aumentar para mais de 9% do PIB até 2060!
Por outro lado, muita gente chega a argumentar que na
verdade não há déficit algum. Isso porque, segundo a Constituição Federal, a
Previdência Social faz parte do chamado “Orçamento da Seguridade Social e
Saúde”, que inclui não somente gastos com aposentadorias mas também gastos com
saúde e assistência social. Ou seja, segundo a economista Denise Gentil, da UERJ, “pela Constituição, a base de
financiamento da Seguridade Social inclui receitas como a CSLL (Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social) e as receitas de concursos de prognóstico (resultado de
sorteios, como loterias e apostas)” e “quando
essas receitas são computadas, obtém-se superávit de R$ 56 bilhões em 2014”.
Aqui, é preciso distinguir bem as coisas. A Previdência não
foi feita para ser superavitária apenas com a receita dos contribuintes! Ela é
deficitária em boa parte do mundo e não há problema algum que seja assim, desde
que haja outra fonte sustentável de receita. A Constituição tentou garantir que
essa fonte fosse através de impostos, que financiariam não somente a
previdência mas também a Saúde e a Assistência Social. O problema do Brasil é
que, com a arrecadação de impostos que temos hoje para a Seguridade Social, não
conseguiremos fechar a conta a longo prazo. Precisaríamos de cada vez mais
arrecadação de impostos, mas, com a crise econômica, ela vem caindo desde 2013. E como não é desejável o aumento de impostos ou
mesmo o aumento da dívida, teríamos que tirar cada vez mais dinheiro da Saúde e
da Assistência Social para colocar na Previdência. Isso fica ainda pior com PEC
do Teto dos Gastos Públicos, aprovada em dezembro. Com ela, não é possível
aumentar os gastos do governo, levando uma parte muita significativa do
orçamento somente para o pagamento de aposentadorias.
Resumindo, a previdência gasta mais que arrecada. Mas o
problema não é esse. O problema é que os gastos da previdência tendem a
aumentar, o que fará com que tenhamos que tirar dinheiro de outras áreas, como
Saúde e Assistência Social, ou mesmo gerar dívida para poder pagar seus custos.
Aí a necessidade da reforma.
Pra mim, o principal problema não é fazer algum tipo de
reforma, mas sim qual foi a reforma escolhida pelo governo Temer!
Militares
Se o problema era financeiro, não há justificativa alguma para
os militares não serem os primeiros a sofrerem algum tipo de reforma da
previdência. Segundo o ex-secretário da previdência e consultor da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim, o regime da previdência dos militares representa mais de
36% do que estamos chamando aqui de déficit da previdência, sendo que essas
aposentadorias beneficiam menos de 300 mil pessoas, ou seja, cerca de 1% do
total de beneficiários. Além disso, a contribuição dos militares também é
abaixo da dos civis: 7,5% do salário bruto contra 11% dos aposentados pelo
INSS.
Trabalhadores Rurais
A Previdência dos trabalhadores rurais nunca teve grandes
arrecadações. Pelo contrário, o que se arrecada dos trabalhadores rurais não chega a 8% do que é gasto com aposentadoria dessa parcela da população. Geralmente, os trabalhadores rurais têm renda mais baixa e vivem sob condições de grande vulnerabilidade, incluindo aí informalidade e
insalubridade.
Por isso, até hoje não era obrigatória a contribuição do
trabalhador rural para ter acesso à aposentadoria. Com a proposta do governo
Temer, a contribuição não só passa a ser obrigatória, mas haverá uma idade
mínima de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres. Ou seja, da regra
atual, 10 anos a mais para homens e 15 anos a mais para mulheres em um trabalho
braçal, de baixa renda e de expectativa de vida mais baixa.
Renda familiar e
aposentadoria
Muitas cidades do país, principalmente no Nordeste, dependem
da renda dos aposentados. Segundo o IBGE, em 2014, a principal fonte do rendimento das pessoas de 60 anos ou
mais de idade (13,7% da população) vem de aposentadoria ou pensão - 66,4%. Para
as pessoas de 65 anos ou mais de idade, a participação do rendimento proveniente
de aposentadoria ou pensão é 76,1%.
Com maiores dificuldades de acesso ao benefício
previdenciário, é provável que a renda de muitas cidades pelo país despenque.
Muitos idosos também terão de prolongar seu tempo trabalhando, o que poderá ser
inviável para a população com menos escolaridade[3].
Mercado de trabalho e
aposentadoria
O Brasil hoje está em crise econômica. Segundo texto dos repórteres da Folha de S. Paulo, Mariana Carneiro e Paulo Muzzolom, "para se conseguir um emprego no país, hoje, é preciso ter menos de 24 anos de
idade, aceitar ganhar menos e se conformar com um regime frágil, sem proteção
oferecida por vaga que têm carteira assinada”. Ou seja, nas novas vagas do
mercado de trabalho há mais informalidade, mais PJs e menos empregos com
carteira assinada. Isso consequentemente gera menos contribuição. Com menos
contribuição dos mais jovens e menos emprego para os mais velhos, como faz pra
aposentar? Dá pra aposentar?
Trabalhar pra sempre
Com a proposta da Reforma da Previdência do governo Temer,
há poucos vencedores, mas com certeza não são os mais pobres e mais
vulneráveis. Os militares, ainda sem qualquer proposta de reforma na mesa,
mantém todos seus privilégios conquistados até aqui. Desde menor parcela até menor
tempo de contribuição. Os mais pobres, principalmente os trabalhadores rurais,
serão os principais prejudicados e ficarão praticamente alijados do direito de
se aposentar. Os que dependem de benefícios como o BPC também devem ser muito
prejudicados com as desvinculações, ganhando menos que um salário mínimo.
Com a reforma proposta, ensaia-se um cenário onde é provável
que muita gente não consiga contribuir e tenha que solicitar BPC na velhice,
outra massa de trabalhadores terá que ser sustentada pela família, pois não irá
conseguir contribuir o suficiente para conseguir se aposentar, enquanto outra
parcela de idosos do país terão que aceitar qualquer tipo de emprego para se
sustentar.
Não consigo vislumbrar como a grande massa de trabalhadores
poderia contratar uma previdência particular para complementar a renda durante
a velhice numa situação de maior desemprego e de contratos de trabalho mais
vulneráveis para o trabalhador.
Porém, há sempre quem compre a ideia e faça propaganda da Reforma
da Previdência. A mesma parcela da imprensa que ajudou a criar o mito necessário ao impeachment e que já pratica relações de trabalho mais "flexíveis" com seus empregados, dessa vez faz coro à
necessidade da Reforma da Previdência. A que mais me chamou a atenção foi a
série de quatro reportagens do Jornal
Nacional, da Rede Globo, feita
pelo repórter Cesar Menezes, vinculada na primeira semana de janeiro[4].
Na última parte da série, creio que ficou evidente o que
querem para os trabalhadores: chegar aos 91 anos, trabalhando 12 horas por dia.
[2] “Em 2015, por exemplo,
para cada 100 pessoas em idade ativa, havia 11,5 idosos. Em 2060, essa relação
deverá passar para 44,4“, segundo o Ministério da Fazenda.
[3] O artigo Diferenciais de mortalidade por escolaridade da população adulta brasileira, em 2010, dos pesquisadores brasileiros Lariça Emiliano da Silva, Fávio Henrique Miranda de Araújo e Rafael Henrique Moraes Pereira, mostra como a expectativa de vida da
população com menor grau de escolaridade é consideravelmente mais baixa que os
de maior grau de escolaridade, especialmente entre os idosos (entre 60 e 80
anos) fora do Sudeste.
[4] Cabe lembrar que Michel Temer se reuniu com João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo,em 14 de dezembro, no Palácio do Jaburu, para pedir um noticiário mais
favorável ao governo.