quinta-feira, 1 de março de 2018

Penduricalhos e reajustes – os privilégios da casta de toga



Você acha justo Neymar receber 3 milhões de euros ao mês de seu clube, o francês Paris Saint-Germain? E o peruano Paolo Guerrero receber R$ 900 mil do Flamengo? É muito? Pouco?

Num país onde o rendimento médio do trabalhador brasileiro está em R$ 2.154, segundo o IBGE, os valores dos salários dos principais jogadores de futebol do país são astronômicos!  Mas o que eu quero destacar aqui não é exatamente quanto o jogador merece ou não receber, mas quanto o clube que o emprega consegue pagá-lo. Ou seja, algum clube brasileiro poderia igualar o salário recebido de Neymar na França? E o Íbis Futebol Clube, de Pernambuco, conseguiria pagar o salário recebido por Guerrero, no Flamengo?

Neymar é hoje um dos jogadores mais bem pagos do mundo, e seu salário é mais de 10 vezes superior ao de Guerrero, o jogador mais bem pago a atuar por um clube brasileiro. Vejam, a situação financeira dos clubes brasileiros não permite que haja jogadores no Brasil recebendo o montante que Neymar recebe atualmente. Aliás, em seu último ano no Brasil (2013), Neymar chegou a receber mais de R$ 1 milhão do Santos, graças a uma engenharia financeira complexa. Na época, com uma proposta do Barcelona na mesa, o clube brasileiro pouco pôde fazer frente a uma oferta de salário consideravelmente superior.

E o que os juízes e funcionários públicos brasileiros têm a ver com isso?
Todos eles, assim como jogadores de futebol, estão sujeitos à capacidade de pagamento de seu empregador.

Vejam, qualquer trabalhador recebe o que seu empregador consegue pagar. No caso do Judiciário brasileiro e de qualquer outro funcionário público, é o Estado brasileiro que arca com os custos dos salários dos servidores. Portanto, os funcionários públicos devem receber o que o Estado pode pagar! Quem quer receber mais, deve procurar outro empregador. Esse ponto de partida é fundamental para pensarmos sobre salários, reajustes, gratificações e indenizações dos funcionários públicos.

Considerando a capacidade estatal de arcar com a folha salarial dos servidores, a Constituição Federal determinou um teto para “ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos”, que faz com que “proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal” (art. 37, XI ,da Constituição Federal). 

Hoje, o teto do serviço público está em R$ 33,7 mil ao mês, valor recebido pelos juízes do Supremo Tribunal Federal. O problema é que o que deveria ser o teto não vem sendo respeitado, gerando aumento das desigualdades e problemas fiscais e de arrecadação para o Estado brasileiro.

Na prática, há duas formas de se burlar o teto. Uma é através dos jetons ou gratificações recebidas por ocupantes de cargos públicos por participar de mais de um cargo. Ministros de governo, por exemplo, costumam fazer parte do conselho administrativo de empresas como BNDES, Petrobras, Banco do Brasil, Itaipu, Senac, entre outras, e, por isso, acabam sendo remunerados além de seu salário usual[1]. Outra forma é através de gratificações, auxílios e penduricalhos de todo o tipo. Seguindo a mesma lógica de trabalhadores receberem auxílio-transporte e vale-refeição, alguns cargos da elite do funcionalismo público chegam a acumular auxílio-moradia[2], auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança...

Para ambos os casos, a Proposta de Lei nº 6.726, de 2016 (PL 6726/16), que está em tramitação no Congresso, prevê a completa impossibilidade de extrapolação do teto do funcionalismo público.

Enquanto a proposta não é votada, os penduricalhos recebidos pela elite do funcionalismo público voltaram a ganhar notoriedade com a divulgação de que diversos juízes, entre eles Sergio Moro, recebem auxílio-moradia, mesmo possuindo imóvel próprio na cidade em que trabalham e residem.

Pra piorar, Moro justificou, em entrevista para O Globo, o recebimento do auxílio pela falta de reajustes: “O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.

Voltando à premissa que um empregado recebe aquilo que o empregador pode pagar, quem acha que todo funcionário público deve receber aumento real (de acordo com a inflação) todo o ano? Quem acha que todo funcionário deve receber reajuste de salário mesmo em tempos de retração econômica e alta do desemprego?

Pois é, os juízes federais não só acham, como vem fazendo pressão em Brasília para que seus privilégios sejam mantidos. Há até paralisação marcada para os próximos dias em defesa dos penduricalhos.

Em outros textos aqui e aqui no blog já falei do problema dos reajustes e como eles podem acentuar as desigualdades, inclusive entre servidores. Agora, volto a bater na mesma tecla: além de se fazer respeitar o limite do teto constitucional através do PL 6.726/16, por que não se vincular o teto do funcionalismo ao salário mínimo? Hoje, esse teto é 35 vezes superior ao salário mínimo. E se essa proporção, que já é bem superior a de diversos países europeus, fosse ao menos mantida? Será que algum político aceitaria levantar a bandeira nas eleições de 2018?

[1] O processo (ADI 1485) que julga a inconstitucionalidade do recebimento de jetons está suspenso no STF desde o fim de 2016.
[2] Em 2014, o ministro do STF, Luiz Fux, concedeu liminar (decisão de caráter provisório) que estendeu o pagamento do auxílio-moradia a todos os juízes do país (AO 1773). Somente em dezembro de 2017, Fux liberou a ação para votação de outros juízes do STF no plenário.

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