Você acha justo Neymar receber 3 milhões de euros ao mês de
seu clube, o francês Paris Saint-Germain? E o peruano Paolo Guerrero receber R$
900 mil do Flamengo? É muito? Pouco?
Num país onde o rendimento médio do trabalhador brasileiro está
em R$ 2.154, segundo o IBGE, os valores dos salários dos principais jogadores
de futebol do país são astronômicos! Mas
o que eu quero destacar aqui não é exatamente quanto o jogador merece ou não
receber, mas quanto o clube que o emprega consegue pagá-lo. Ou seja, algum
clube brasileiro poderia igualar o salário recebido de Neymar na França? E o Íbis
Futebol Clube, de Pernambuco, conseguiria pagar o salário recebido por Guerrero,
no Flamengo?
Neymar é hoje um dos jogadores mais bem pagos do mundo, e
seu salário é mais de 10 vezes superior ao de Guerrero, o jogador mais bem pago
a atuar por um clube brasileiro. Vejam, a situação financeira dos clubes
brasileiros não permite que haja jogadores no Brasil recebendo o montante que
Neymar recebe atualmente. Aliás, em seu último ano no Brasil (2013), Neymar
chegou a receber mais de R$ 1 milhão do Santos, graças a uma engenharia
financeira complexa. Na época, com uma proposta do Barcelona na mesa, o clube
brasileiro pouco pôde fazer frente a uma oferta de salário consideravelmente
superior.
E o que os juízes e funcionários públicos brasileiros têm a
ver com isso?
Todos eles, assim como jogadores de futebol, estão sujeitos
à capacidade de pagamento de seu empregador.
Vejam, qualquer trabalhador recebe o que seu empregador
consegue pagar. No caso do Judiciário brasileiro e de qualquer outro
funcionário público, é o Estado brasileiro que arca com os custos dos salários
dos servidores. Portanto, os funcionários públicos devem receber o que o Estado
pode pagar! Quem quer receber mais, deve procurar outro empregador. Esse ponto
de partida é fundamental para pensarmos sobre salários, reajustes, gratificações
e indenizações dos funcionários públicos.
Considerando a capacidade estatal de arcar com a folha
salarial dos servidores, a Constituição Federal determinou um teto para “ocupantes
de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos
demais agentes políticos”, que faz com que “proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal,
em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal” (art. 37, XI ,da Constituição
Federal).
Hoje, o teto do serviço público está em R$ 33,7 mil ao mês,
valor recebido pelos juízes do Supremo Tribunal Federal. O problema é que o que
deveria ser o teto não vem sendo respeitado, gerando aumento das desigualdades
e problemas fiscais e de arrecadação para o Estado brasileiro.
Na prática, há duas formas de se burlar o teto. Uma é
através dos jetons ou gratificações recebidas por ocupantes de cargos públicos
por participar de mais de um cargo. Ministros de governo, por exemplo, costumam
fazer parte do conselho administrativo de empresas como BNDES, Petrobras, Banco
do Brasil, Itaipu, Senac, entre outras, e, por isso, acabam sendo remunerados
além de seu salário usual[1].
Outra forma é através de gratificações, auxílios e penduricalhos de todo o
tipo. Seguindo a mesma lógica de trabalhadores receberem auxílio-transporte e
vale-refeição, alguns cargos da elite do funcionalismo público chegam a
acumular auxílio-moradia[2],
auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche,
auxílio-mudança...
Para ambos os casos, a Proposta de
Lei nº 6.726, de 2016 (PL 6726/16), que está em tramitação no Congresso,
prevê a completa impossibilidade de extrapolação do teto do funcionalismo
público.
Enquanto a proposta não é votada, os penduricalhos recebidos
pela elite do funcionalismo público voltaram a ganhar notoriedade com a
divulgação de que diversos juízes, entre eles Sergio Moro, recebem
auxílio-moradia, mesmo possuindo imóvel próprio na cidade em que trabalham e
residem.
Pra piorar, Moro justificou, em entrevista para O
Globo, o recebimento do auxílio pela falta de reajustes: “O
auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora
discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de
2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.
Voltando à premissa que um empregado recebe aquilo que o
empregador pode pagar, quem acha que todo funcionário público deve receber
aumento real (de acordo com a inflação) todo o ano? Quem acha que todo
funcionário deve receber reajuste de salário mesmo em tempos de retração
econômica e alta do desemprego?
Pois é, os juízes federais não só acham, como vem fazendo
pressão em Brasília para que seus privilégios sejam mantidos. Há até paralisação marcada para os próximos dias
em defesa dos penduricalhos.
Em outros textos aqui e aqui no blog já falei do problema dos
reajustes e como eles podem acentuar as desigualdades, inclusive entre
servidores. Agora, volto a bater na mesma tecla: além de se fazer respeitar o
limite do teto constitucional através do PL 6.726/16, por que não se vincular o
teto do funcionalismo ao salário mínimo? Hoje, esse teto é 35 vezes superior ao
salário mínimo. E se essa proporção, que já é bem superior a de diversos países
europeus, fosse ao menos mantida? Será que algum político aceitaria levantar a
bandeira nas eleições de 2018?
[1] O processo (ADI 1485) que julga a
inconstitucionalidade do recebimento de jetons está suspenso no STF desde o fim
de 2016.
[2] Em 2014, o ministro do STF, Luiz Fux, concedeu
liminar (decisão de caráter provisório) que estendeu o pagamento do
auxílio-moradia a todos os juízes do país (AO 1773). Somente em dezembro de
2017, Fux liberou a ação para votação de outros juízes do STF no plenário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário