terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A Era dos Extremos

Muito se fala no Brasil sobre uma tal “onda conservadora”. A lógica para os defensores da ideia é que a pauta imposta pelo Congresso, com Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados, é conservadora como há muito não se via e por isso estaríamos vivendo um momento de forte predomínio dos conservadores de direita na política. Mas será que existe mesmo essa onda? Será que existe SÓ essa onda? E no resto do mundo? Como está se comportando o eleitorado?

Se analisarmos as eleições para deputado federal no Brasil desde 2002, vemos que os partidos nanicos ou os recém-criados são os que mais cresceram nas últimas 4 eleições. Isso quer dizer que nosso sistema político está ficando cada vez ainda mais fragmentado. As outras duas linhas que só crescem são o da esquerda, representada pelo Psol, e da direita!
Agora, se separarmos os votos dos partidos com ligação com igrejas (PRB + PSC) dos demais partidos de direita, vemos que o crescimento real se deu apenas para PRB e PSC.

Se analisarmos o dado do crescimento do eleitorado para cada agrupamento, dá pra ver que Psol cresceu apenas 2% de sua primeira eleição, em 2006, para 2010, mas que cresceu 33% de 2010 pra 2014.

PRB e PSC somados tiveram um crescimento mais sustentado: 75% de 2002 pra 2006; 58% de 2006 pra 2010; e 29% de 2010 pra 2014.

O PV, no centro, que não apoiou nenhum candidato à presidência em 2006, chegou a crescer 65% de 2002 pra 2006 e 8% de 2006 pra 2010, quando lançou Marina Silva como candidata. Mas, de 2010 pra 2014, já sem candidato à presidência, caiu 86% em número de eleitores para deputados federais.

Ou seja, com exceção de Psol e de PRB e PSC (além de nanicos e partidos recém-criados, que não representam uma posição ideológica definida), todos os demais agrupamentos partidários perderam eleitores em números absolutos, quando analisamos os números para as eleições para deputados federais. Em outras eleições pelo mundo onde há sistema eleitoral proporcional1 o fenômeno se repete: os partidos tradicionais estão perdendo eleitores para os novos partidos, posicionados nos extremos do espectro ideológico.

Na Grécia, tanto em janeiro de 2015 quanto em setembro de 2015, quem venceu as eleições parlamentares, com cerca de 36% dos votos, foi o Syriza, partido da nova esquerda europeia, acabando com o domínio desde os anos 70 dos liberais da Nova Democracia (ND) e dos sociais-democratas do PASOK. O Aurora Dourada, partido de extrema-direita, ficou em terceiro lugar, passando o PASOK pela primeira vez.

Na Espanha, nas eleições realizadas em dezembro de 2015, PP (direita) e Psoe (esquerda) continuaram como mais votados, com 28,7% e 22% dos votos, respectivamente. No entanto, duas novas forças ganharam muito espaço: Podemos (esquerda), com 12,7% dos votos, e Ciudadanos (liberal), com 13,9% dos votos, serão cruciais para a formação do novo governo. Algo que nunca havia acontecido anteriormente.

Até nos Estados Unidos, onde o sistema eleitoral é majoritário, está acontecendo algo parecido. Nas primárias do Partido Republicano, o empresário Donald Trump, que defende abertamente a construção de um muro para separar Estados Unidos e México, além de tortura para suspeitos de terrorismo e deportação em massa de imigrantes, lidera a corrida no partido. Já entre Democratas, Bernie Sanders, que se auto intitula socialista, ganhou as primárias de New Hampshire e praticamente empatou com Hillary Clinton em Iowa, e parece ter chances reais de levar a nomeação do partido.

Quando vemos algo assim acontecendo, fico me perguntando: será que seria possível uma votação expressiva de candidatos como Sanders e Trump nos anos 1980 ou nos anos 1990? E por que em todo o mundo figuras e partidos tradicionais da política estão cada vez mais perdendo espaço para políticos mais radicais?

Há inúmeras explicações para isso. A primeira é a tal crise da representação2: as pessoas continuam acreditando na democracia como melhor sistema de governo, mas elas se sentem desacreditadas no atual formato de representação política, via partidos políticos e sindicatos, dando preferência à entrada de novos atores ao sistema.

Uma segunda explicação para o crescimento de forças dos extremos do espectro político é o algoritmo das novas redes sociais. Me explico: nas redes sociais como o Facebook existe um algoritmo que filtra o conteúdo do seu feed de notícias, selecionando aquilo que possivelmente pode te agradar. Além disso, o que te desagrada, você bloqueia, deixa de seguir. Como resultado, você acaba vendo cada vez mais só aquilo que está em conformidade com seus pré-conceitos. Com a combinação dos algoritmos e a capacidade do usuário de bloquear e deixar de seguir aquilo que quiser, isso se amplia de tal forma que começa a haver duas tendências de feeds/timelines cada vez mais claras. Afinal, leitor, você costuma frequentar blogs e colunas de quem você geralmente discorda?

Já identificando tal tendência, alguns grupos de mídia como a Folha/UOL têm contratado colunistas para fazer o embate nas redes através de seus canais de comunicação, e assim ganhar cliques/pageviews/curtidas. Veja que em um espaço de um ano e meio, a Folha contratou para sua gama de blogueiros o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos e o líder do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri. A linha editorial da Folha aqui não é concordar com um com outro, mas ganhar espaço (mais retweets, mais compartilhamentos, mais curtidas) no feed e na timeline dos apoiadores de cada um dos lados do espectro.

Vou além: Psol, PRB e PSC são os partidos que devem continuar a tendência de crescimento, e os novos partidos como Rede Sustentabilidade devem ganhar um espaço considerável dentro do eleitorado. Não duvido também que Psol e PRB consigam conquistar alguma prefeitura importante já nas eleições municipais de 2016.

Sendo assim, aquele centrismo típico das democracias ocidentais após a queda do muro de Berlim está perdendo espaço. Os velhos atores políticos não deixarão de existir e talvez nem percam o protagonismo, mas terão que dividir espaço com esses novos atores políticos, com essa nova linguagem bem menos centrista.
1 Para saber mais sobre tipos de sistemas eleitorais, você pode ler Sistemas Eleitorais, do cientista político Jairo Nicolau, disponível em bit.ly/20r10JY.

2 Sobre crise da representação, vale a leitura dos textos do cientista político Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political Support in Advanced Industrial Democracies, disponível em: bit.ly/1KKhElY.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Coxinhas x Petralhas



Você é de esquerda ou de direita? Você sabe dizer qual a diferença entre um ou outro lado da política? E os partidos? Você sabe onde está cada um deles no espectro ideológico?
Pra tentar ajudar a esclarecer alguns pontos da diferenciação entre esquerda e direita e para explicar os critérios que serão utilizados aqui neste blog, resolvi fazer esse texto explicativo.

Origem
A primeira vez que os termos esquerda e direita foram utilizados para diferenciar duas posições políticas divergentes foi durante a Revolução Francesa, ainda no século XVIII.  Durante a Assembleia Nacional da Revolução (Assembleia Constituinte de 1791), Girondinos, sentados à direita, representavam os revolucionários mais moderados. Sentados à esquerda ficaram os Jacobinos, representando uma ruptura mais radical da estrutura aristocrática.
Depois de Marx, no século XIX, a diferenciação esquerda e direita se deu predominantemente entre marxistas (à esquerda) e liberais (à direita). E quando se pensa em marxismo (e suas derivações: trotskismo, keynesianismo, socialdemocracia, etc.) e liberalismo, o que é sempre discutido é o grau de intervenção do Estado na Economia. Enquanto os liberais, à direita, defendem o livre mercado como melhor forma de desenvolvimento, marxistas, à esquerda, consideram que o Estado é quem deve ser o promotor do desenvolvimento.
Aqui, cabe ressaltar um conceito fundamental para os liberais: “meritocracia”! Para liberais, tem mais quem merece mais, e o Estado deve apenas garantir que as pessoas tenham igualdade de condições para poder ascender socialmente. Se o Estado intervém, não há meritocracia, distorcendo a desigualdade que seria justa e meritocrática.
Já marxistas, no geral, consideram que o Estado não pode tratar desiguais de forma igual. Se há desigualdade na sociedade, o Estado deve intervir para reduzir as desigualdades e as injustiças sociais.
Porém, a economia não é a única forma possível de diferenciação de ideias. O próprio liberalismo nasceu promovendo tanto o liberalismo econômico quanto o liberalismo social.

Individuo x sociedade
Liberdades individuais são temas bem controversos.  O Estado pode intervir na vida pessoal das pessoas? O Estado pode definir o que pode ou não ser feito em temas relacionados a sexo ou consumo de drogas, por exemplo?
Hoje, uma pessoa no Brasil tem algumas restrições em relação a determinados assuntos. Apenas o consumo de álcool e tabaco são aceitáveis entre tantas outras drogas existentes. Os jogos de azar, com exceção das loterias federais, também não são permitidas. E há ainda outros temas como religião, sexo, gênero e raça que levantam discussão se há ou não liberdade no campo social.
Entre as várias denominações usadas, a mais comum é a diferenciação entre progressistas x conservadores. Os conservadores querem manter a situação como está, posicionando-se contra mudanças na sociedade, seja ela qualquer liberalização das drogas ou maior direitos aos homossexuais, por exemplo. Já progressistas defendem mudanças na estrutura da sociedade e se posicionam ao lado das minorias, seja índios, negros, mulheres ou a LGBTs.

Um espectro, duas dimensões
Os intelectuais marxistas, que sempre predominaram no campo cultural frente aos liberais, costumaram relacionar marxismo com progressismo, mas será que não existem marxistas conservadores? E liberais progressistas? E os partidos no Brasil? Como se posicionam frente a essas duas dimensões?
No geral, os partidos de orientação marxista têm se posicionado mais a favor das pautas progressistas, seja ela o casamento homossexual ou até a desmilitarização das polícias que os demais partidos. No entanto, há sim marxistas conservadores assim como liberais progressistas ou mesmo marxistas ricos e liberais pobres. Não há necessariamente nenhuma contradição. Por causa disso, tentarei evitar neste blog usar os termos esquerda x direita, que explicam pouco. Do mesmo modo, as duas dimensões apresentadas acima não tratam de alguns temas como meio ambiente, por exemplo. Há lacunas na diferenciação entre os dois lados da política, mas se os termos serão evitados, já adianto que não serão descartados.

Classificações existentes
Na Ciência Política, a classificação[1] predominante dos partidos é:
Direita: PP; DEM; PR; PTB; PSD; PSC; PRB
Centro: PMDB e PSDB
Esquerda: PT; PDT; PPS; PCdoB; PSB; PV; Psol
Outra classificação, não dos partidos, mas da sociedade, pode ser feita através da leitura dos textos dos últimos anos do cientista política André Singer. Segundo Singer, foi o PT quem organizou a estrutura partidária brasileira desde o fim dos anos 80 e, por isso, pode-se fazer um continuum desde os maiores apoiadores ao governo do PT (mais pobres) até os mais oposionistas (mais ricos). Esse continuum, também identificado pelo filósofo Marcos Nobre, pode ser visto no quadro[2]:


Classificação deste blog
Apesar das diferenciações entre esquerda e direita existentes, não acredito que elas posicionem corretamente os partidos políticos no espectro ideológico. Não vejo sentido hoje em considerar PMDB e PSDB como centro nem PV como esquerda. Por causa disso, neste blog utilizarei a seguinte classificação:
Esquerda: Psol
Centro esquerda: PT; PCdoB ; PDT; PSB; PPS
Centro: PV
Centro direita: PSDB; PMDB; PTB
Direita: PSD; PR; DEM; PP; PSC; PRB
Cabe destacar que PSC e PRB se diferenciam e muito dos demais partidos de direita por ambos terem uma íntima conexão com igrejas. Ou seja, são partidos que representam o cristianismo conservador. O PV, por sua vez, foi posicionado ao centro. Já os novos partidos (Solidariedade, Pros, Rede Sustentabilidade e Partido da Mulher Brasileira) eu preferi não posicioná-los ainda. Acho melhor esperar as cenas do próximo capítulo pra ver qual o real posicionamento deles!
O que temos que levar em conta é que os partidos políticos são diferentes uns dos outros e têm posições divergentes sobre determinados assuntos. Do mesmo modo, tanto liberalismo quanto marxismo desejam algum tipo de desenvolvimento, mas por caminhos totalmente diferentes. Estes caminhos podem parecer indecifráveis no emaranhado de notícias do dia a dia, mas são eles que acabam regendo o embate político na sociedade.


[1] Versão atualizada de: CARREIRÃO, Ivan de Souza, Ideologia e partidos políticos: um estudo sobre coligações em Santa Catarina. Revista Opinião Pública vol 12 nº1 Campinas, Abril e Maio 2006.
[2] O quadro não aparece em nenhum texto dos autores citados. Ele é de formulação própria a partir da leitura destes autores, e não é improvável que os autores citados discordem dele.