segunda-feira, 2 de maio de 2016

Impeachment: O Rito - Parte1/3

No Brasil, os crimes que são de fato investigados e punidos pelas autoridades são minoria entre milhares de roubos e homicídios que acontecem pelo país todo o ano. Os dados sobre o tema também não são declarados nem disponibilizados de modo acessível, mas podemos ter uma ideia do tamanho da impunidade com o que é divulgado. No Estado de São Paulo, por exemplo, apenas 9,3 % dos boletins de ocorrência de roubos viraram inquéritos policiais entre 2004 e 2013. Outro dado relevante que demonstra a impunidade e seletividade das investigações é que cerca de 74% dos inquéritos policiais de homicídios, instaurados até 2009 em São Paulo, foram arquivados. Somente uma minoria dos crimes vira denúncia formal, passível de julgamento e condenação. Ou seja, para um criminoso ser condenado, deve haver um boletim de ocorrência e um inquérito policial do crime.Com a investigação do inquérito policial, pode haver uma denúncia formal contra o criminoso. Aí sim o réu vai a julgamento e poderá ser condenado.

O cenário mostra o quanto nossas polícias são incompetentes para prevenir e investigar os mais diferentes crimes, mas, pior que isso, mostra que nosso sistema policial é deveras seletivo. Alguns crimes são de fato investigados enquanto outros são totalmente negligenciados.

E, afinal, quem escolhe que crime será investigado e qual será arquivado? Que critério faz com que determinados crimes tenham alguma atenção das autoridades enquanto outros irão virar, no máximo, uma folha de papel na burocracia policial? Além disso, o número de crimes ou infrações à lei que nossa sociedade comete é tão excessivo que se tornou impossível de ser fiscalizado? Por fim, há profissionais suficientes (e capacitados) para investigar estes crimes?

Seletividade e política
Se nosso sistema policial e judiciário é seletivo para toda a população, a mesma lógica funciona para nossa elite política. Isso mesmo. O sistema que não investiga e não pune crimes como homicídio ou roubo na sociedade como um todo também não pune parlamentares por causa de corrupção. Segundo levantamento do Congresso em Foco, apenas 16 parlamentares foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1988, num total de 500 parlamentares com algum processo penal na corte[1]. De acordo com reportagem do El País, a grande maioria dos crimes é sequer julgada. Eles acabam arquivados ou prescritos pela morosidade da Justiça!

Pra ver como a justiça pode ser lenta, o caso do “Mensalão” é emblemático: o esquema veio a público em maio de 2005 e ganhou notoriedade após as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ). Em junho do mesmo ano José Dirceu pediu demissão do cargo de Ministro da Casa Civil e, em dezembro, teve seu mandato cassado pela Câmara dos Deputados. O julgamento no STF começou somente em agosto de 2012, e em novembro é que José Dirceu foi finalmente condenado à prisão.

Desta vez, a operação que promete passar o país a limpo é a “Lava Jato”. A partir de denúncias do empresário Hermes Magnus, ainda em 2008, os investigadores começaram a desvendar um gigante esquema de lavagem de dinheiro.  A situação ganhou outro patamar com investigações de uma casa de câmbio que operava em um posto de gasolina de Brasília, e com a descoberta que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa havia sido presenteado com um carro de luxo pelo doleiro Alberto Youssef. A partir daí, as delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef foram desatando uma série de operações policiais, atingindo principalmente empreiteiras, políticos e diretores da Petrobras.  Já são ao menos 67 condenados e 62 parlamentares indiciados na operação, porém nenhum dos parlamentares com foro privilegiado ainda foi julgado.

Como se pode ver, o tempo da Justiça é muito diferente do tempo da opinião pública, que quer respostas rápidas para a corrupção. Na Lava Jato, o juiz Sérgio Moro tem feito tudo para acelerar o processo e vem até passando por cima da lei pra tentar ver avançarem as investigações. No entanto, o rito pelo qual o processo se dá deveria ser fundamental para garantir legitimidade das decisões judiciais. Aliás, legitimidade é um problema sério pra nossa Justiça.


               
Impeachment
Para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o ritual do processo no Congresso também foi amplamente alvo de críticas e suspeitas até a definição do STF para seu trâmite na Câmara e no Senado. Até a ordem dos votos dos deputados na votação foi questionada e precisou do crivo do Judiciário.

Aqui, o que está em disputa são duas narrativas: uma diz que o processo é legal, portanto, legítimo; enquanto outra aponta que há um golpe em curso já que a justificativa para o impeachment não teria base legal, ou seja, que as chamadas pedaladas fiscais estão amplamente disseminadas pelo país e que elas não configuram crime de responsabilidade.


[1] Vale lembrar que Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional (deputados federais e senadores), Ministros e o Procurador-Geral da República têm foro privilegiado e só podem ser julgados pelo STF.

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