Após a invenção do mito e do rito do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, culminando primeiramente com seu
afastamento em maio para finalmente ser consolidado o golpe no fim de agosto,
chegamos a um novo governo, o governo Temer.
Até aqui, foram mais de três meses de interinidade e pouco
menos de um mês de mandato efetivo de Michel Temer. E o que foi realizado de
fato até agora? Temos um novo rumo? Novas políticas públicas? Quem está
ganhando e quem está perdendo com a nova direção do país?
Antes de responder essas questões, é preciso ter em mente
que Temer não só conspirou para a queda de Dilma como já vinha tentando se preparar para governar o país.
No fim de outubro de 2015, cerca de um mês antes da abertura do processo de
impeachment na Câmara dos Deputados, o PMDB lançou a Ponte para o Futuro, uma espécie de
programa de governo para o já ensaiado mandato de Temer. Nele, fala-se
basicamente de política econômica, com algumas ideias para a reforma da
previdência e para o ajuste fiscal a ser implementado.
No documento Ponte
para o Futuro, é possível identificar sobre o tema da previdência social,
por exemplo, que seria “preciso introduzir, mesmo que progressivamente, uma
idade mínima que não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as
mulheres (...) Além disso, é indispensável que se elimine a indexação (da
aposentadoria) de qualquer benefício ao valor do salário mínimo".
Outra proposta da Ponte
para o Futuro era acabar com as vinculações orçamentárias. “É necessário em
primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no
caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo
pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade
(...) Outro elemento para o novo orçamento tem que ser o fim de todas as
indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais".
Paradoxalmente, uma das primeiras medidas do governo Temer,
no fim de maio, foi aumentar o déficit do orçamento para 2016. A primeira
versão para o orçamento, anunciada pelo governo Dilma e aprovada pelo
Congresso, previa um irreal superávit de R$ 24 bilhões. Em março, ainda com Dilma na presidência, foi enviada uma
proposta para revisão da meta, com déficit de quase R$ 100 bilhões. Mas a revisão da equipe de Temer permitiu um déficit de R$ 170 bilhões.
A partir daí, o governo Temer passou a se caracterizar pelos
incontáveis balões de ensaio lançados na imprensa, com supostas propostas para
o país. O problema é que nem a Ponte para
o Futuro nem qualquer das propostas que são vinculadas ao governo Temer
passaram pelo crivo das urnas e, por isso, não têm respaldo popular.
Sobre previdência, de concreto, foi anunciado que será feita
a revisão dos benefícios bancados pelo INSS, como auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez. Os benefícios não deixarão de existir, mas será preciso passar por
reavaliação para continuar a recebê-los. Já em relação à adoção de idade mínima para
aposentadoria, prometida na Ponte para o
Futuro e reiterada nas entrevistas do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD-SP), a cada dia aparece um critério
diferente. Segundo a imprensa, Temer já chegou até a cogitar a aposentadoria somente a partir dos 70 anos, mas hoje a tendência seria fixar em 65 anos a idade mínima para aposentadoria.
E desvinculação de gastos? Haverá de fato? Bem, apesar de
algumas medidas estarem em estágio avançado de discussão no Congresso (Lei 13.332/2016 - PLN 03/16; PEC 31/2016; PEC 241/2016; PEC 143/2015), não se pode falar ainda que já há uma desvinculação como a
prometida na Ponte para o Futuro. A
principal aposta do governo na área é a aprovação da PEC 241/2016, que limita o
crescimento da despesa primária para os próximos 20 anos. Sob o risco de
congelamento de recursos para áreas como saúde e educação, a medida já vem
recebendo diversas críticas.
Na área social, a versão pemedebista da Ponte para o Futuro saiu em abril, um mês antes do afastamento de
Dilma, sob o nome de Travessia Social. No documento, há poucas propostas concretas. A linha do texto está mais
para fazer funcionar o que já existe a partir do desejado desenvolvimento
econômico e controle dos gastos. Fala-se na criação de um Cartão de Saúde, por
exemplo, para melhor o acompanhamento dos pacientes. Também se fala na
possibilidade de formação anual para o trabalhador e ainda se menciona a
necessidade de expansão do sistema de proteção social para “os 10 milhões de
brasileiros que compõem os 5% mais pobres”, mas praticamente nada de concreto é
dito do modo como serão implementadas as novas políticas.
Uma coisa que me chamou a atenção no documento Travessia Social foi a sugestão de se
criar um ambiente favorável às parcerias público-privadas: "As oportunidades de investimento estarão
favorecidas pelo novo ambiente macroeconômico de estabilidade e pela elevação
do grau de previsibilidade em relação ao futuro. Os campos naturais de atração
de investimento privado serão as concessões de infraestrutura e a criação de
bens de alto benefício social por meio de arranjos institucionais
público-privados, nas áreas de habitação popular, saneamento e transporte de
alta qualidade".
De todo modo, durante a interinidade do governo Temer e após
sua efetivação, alguns balões de ensaio na área social também vêm sendo
veiculados. A Reforma da CLT é uma das mais citadas. Sobre ela, em julho, o presidente
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, no início de
agosto, o Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB-RS), defendeu o aumento da carga diária de trabalho de 8 para 12 horas e o aumento da jornada de trabalho semanal de 44 para 48 horas. No dia seguinte, o governo teve de se desmentir.
A própria formação dos ministérios foi feita em processo
similar. Primeiro, Temer chegou a extinguir o Ministério da Cultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, entre outros. O da Cultura foi recriado poucos dias depois, enquanto se especula reiteradamente a volta do Desenvolvimento Agrário para saciar o partido Solidariedade, aliado do
governo.
Na Saúde, o ministro Ricardo Barros (PP-PR) já declarou que quer rever o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) e defendeu que as
pessoas procurassem a adesão a planos de saúde. Já na Educação, sob
administração do ministro Mendonça Filho (DEM-PE), foram cortadas milhares de bolsas do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e do programa Ciência Sem Fronteiras para graduação.
Enfim, poderia listar aqui balões de ensaio em praticamente
todas as áreas do governo Temer. Mas o que importa mesmo é saber, afinal, o que
as propostas, tanto as desmentidas quanto as efetivadas, têm em comum? Quem se
beneficia com elas?
Bem, reforma da previdência, reforma da CLT, reforma do SUS...
Tudo isso não agrada em nada o trabalhador. Os balões de ensaio de Temer visam
no geral beneficiar o setor empresarial, os empregadores, sob alegação que as
medidas irão diminuir o desemprego e fazer o país crescer. Essa percepção pode
ser vista em texto publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, com depoimentos de presidentes
de diversas associações empresariais.
Mas pra mim, quem melhor resumiu o governo Temer até agora foi
o advogado trabalhista Sergio Batalha Mendes, em entrevista para a GloboNews: o governo não está dizendo objetivamente tudo o que quer e, se de fato tentar fazer reformas estruturais, como a da CLT, atendendo apenas setores do empresariado, sem pacto social, poderá causar uma crise social no país. Afinal, quem não conquistou legitimidade nas urnas, não irá conquistar com balões de
ensaio.
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