Muito se fala no Brasil
sobre uma tal “onda conservadora”. A lógica para os defensores
da ideia é que a pauta imposta pelo Congresso, com Eduardo Cunha na
presidência da Câmara dos Deputados, é conservadora como há muito
não se via e por isso estaríamos vivendo um momento de forte
predomínio dos conservadores de direita na política. Mas será que
existe mesmo essa onda? Será que existe SÓ essa onda? E no resto do
mundo? Como está se comportando o eleitorado?
Se analisarmos as
eleições para deputado federal no Brasil desde 2002, vemos que os
partidos nanicos ou os recém-criados são os que mais cresceram nas
últimas 4 eleições. Isso quer dizer que nosso sistema político
está ficando cada vez ainda mais fragmentado. As outras duas linhas que só
crescem são o da esquerda, representada pelo Psol, e da direita!
Agora, se separarmos os
votos dos partidos com ligação com igrejas (PRB + PSC) dos demais
partidos de direita, vemos que o crescimento real se deu apenas para
PRB e PSC.
Se analisarmos o
dado do crescimento do eleitorado para cada agrupamento, dá pra
ver que Psol cresceu apenas 2% de sua primeira eleição, em 2006,
para 2010, mas que cresceu 33% de 2010 pra 2014.
PRB e PSC somados
tiveram um crescimento mais sustentado: 75% de 2002 pra 2006; 58% de
2006 pra 2010; e 29% de 2010 pra 2014.
O PV, no centro, que
não apoiou nenhum candidato à presidência em 2006, chegou a
crescer 65% de 2002 pra 2006 e 8% de 2006 pra 2010, quando lançou
Marina Silva como candidata. Mas, de 2010 pra 2014, já sem candidato
à presidência, caiu 86% em número de eleitores para deputados
federais.
Ou seja, com exceção
de Psol e de PRB e PSC (além de nanicos e partidos recém-criados,
que não representam uma posição ideológica definida), todos os
demais agrupamentos partidários perderam eleitores em números
absolutos, quando analisamos os números para as eleições para
deputados federais. Em outras eleições pelo mundo onde há sistema
eleitoral proporcional1
o fenômeno se repete: os partidos tradicionais estão perdendo
eleitores para os novos partidos, posicionados nos extremos do
espectro ideológico.
Na
Grécia, tanto em janeiro de 2015 quanto em setembro de 2015, quem
venceu as eleições parlamentares, com cerca de 36% dos votos, foi o
Syriza, partido da nova esquerda europeia, acabando com o domínio
desde os anos 70 dos liberais da Nova Democracia (ND) e dos
sociais-democratas do PASOK. O Aurora Dourada, partido de
extrema-direita, ficou em terceiro lugar, passando o PASOK pela
primeira vez.
Na
Espanha, nas eleições realizadas em dezembro de 2015, PP (direita)
e Psoe (esquerda) continuaram como mais votados, com 28,7% e 22% dos
votos, respectivamente. No entanto, duas novas forças ganharam muito
espaço: Podemos (esquerda), com 12,7% dos votos, e Ciudadanos
(liberal), com 13,9% dos votos, serão cruciais para a formação do
novo governo. Algo que nunca havia acontecido anteriormente.
Até
nos Estados Unidos, onde o sistema eleitoral é majoritário, está
acontecendo algo parecido. Nas primárias do Partido Republicano, o
empresário Donald Trump, que defende abertamente a construção de
um muro para separar Estados Unidos e México, além de tortura para
suspeitos de terrorismo e deportação em massa de imigrantes, lidera
a corrida no partido. Já entre Democratas, Bernie Sanders, que se
auto intitula socialista, ganhou as primárias de New Hampshire e
praticamente empatou com Hillary Clinton em Iowa, e parece ter
chances reais de levar a nomeação do partido.
Quando
vemos algo assim acontecendo, fico me perguntando: será que seria
possível uma votação expressiva de candidatos como Sanders e Trump
nos anos 1980 ou nos anos 1990? E por que em todo o mundo figuras e
partidos tradicionais da política estão cada vez mais perdendo
espaço para políticos mais radicais?
Há
inúmeras explicações para isso. A primeira é a tal crise da
representação2:
as pessoas continuam acreditando na democracia como melhor sistema de governo, mas elas se sentem desacreditadas
no atual formato de representação política, via partidos políticos
e sindicatos, dando preferência à entrada de novos atores ao
sistema.
Uma
segunda explicação para o crescimento de forças dos extremos do
espectro político é o algoritmo das novas redes sociais. Me explico: nas redes
sociais como o Facebook existe um algoritmo que filtra o conteúdo do
seu feed de notícias, selecionando aquilo que possivelmente pode te
agradar. Além disso, o que te desagrada, você bloqueia, deixa
de seguir. Como
resultado, você acaba vendo cada vez mais só aquilo que está em
conformidade com seus pré-conceitos. Com
a combinação dos algoritmos e a capacidade do usuário de bloquear
e deixar de seguir aquilo que quiser, isso
se amplia de tal forma que começa a haver duas tendências de
feeds/timelines cada vez mais claras. Afinal, leitor, você costuma
frequentar blogs e colunas de quem você geralmente discorda?
Já
identificando tal tendência, alguns grupos de mídia como a
Folha/UOL têm contratado colunistas para fazer o embate nas redes
através de seus canais de comunicação, e assim ganhar
cliques/pageviews/curtidas. Veja que em um espaço de um ano e meio,
a Folha contratou para sua gama de blogueiros o líder do Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos e o líder do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri. A linha editorial da Folha aqui não é concordar com
um com outro, mas ganhar espaço (mais retweets, mais
compartilhamentos, mais curtidas) no feed e na timeline dos
apoiadores de cada um dos lados do espectro.
Vou
além: Psol, PRB e PSC são os partidos que devem continuar a
tendência de crescimento, e os novos partidos como Rede
Sustentabilidade devem ganhar um espaço considerável dentro do
eleitorado. Não duvido também que Psol e PRB consigam conquistar
alguma prefeitura importante já nas eleições municipais de 2016.
Sendo
assim, aquele centrismo típico das democracias ocidentais após a
queda do muro de Berlim está perdendo espaço. Os velhos atores
políticos não deixarão de existir e talvez nem percam o
protagonismo, mas terão que dividir espaço com esses novos atores
políticos, com essa nova linguagem bem menos centrista.
1
Para saber mais sobre
tipos de sistemas eleitorais, você pode ler Sistemas Eleitorais, do
cientista político Jairo Nicolau, disponível em bit.ly/20r10JY.
2
Sobre crise da
representação, vale a leitura dos textos do cientista político
Russel Dalton (bit.ly/1o9RoHI), em especial o artigo Political
Support in Advanced Industrial Democracies,
disponível em: bit.ly/1KKhElY.
Ae Claudinho. Como assim os algorítimos favorecem uma tomada de posição mais partidos/candidatos de fora do sistema? Ficou confusa essa parte. Marco
ResponderExcluirFala Marco! Os algoritmos, pra mim, servem pra criar um isolamento intelectual. Uma vez isolado, recebendo informações apenas do seu campo ideológico, o indivíduo estaria mais propenso a sair do centro do espectro ideológico.
ResponderExcluirNão acho que os algoritmos favoreçam atores de fora do sistema, mas é mais difícil pra um ator que já está no sistema adotar posições mais radicais, que estejam mais condizentes com essas novas demandas...
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/18/O-que-acontece-quando-voc%C3%AA-s%C3%B3-v%C3%AA-opini%C3%B5es-parecidas-com-as-suas
ResponderExcluirhttp://link.estadao.com.br/noticias/geral,redes-sociais-formam-bolhas-politicas,10000023302
ExcluirAqui também dá pra ver bem o aumento da polarização nos EUA: http://boingboing.net/2017/03/07/animated-graph-shows-how-usa-h.html
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