"Nunca vi ninguém ser demitido por otimismo. Já vi pelo contrário, por pessimismo", Guido Mantega, Ministro da Fazenda mais longevo da história do Brasil, em dezembro de 2012, após a revista britânica The Economist sugerir sua demissão do cargo.
O ano de 2016 começou em meio
a velhos conhecidos que preocupam a população brasileira. No campo econômico, só
em 2015, tivemos uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) superior a 3%; a
inflação passou dos 10%;
o desemprego pulou de cerca de 5% em 2014 para cerca de 8% em 2015; e o dólar apresentou forte alta frente ao Real, pulando de R$2,70
na virada de 2014 para mais de R$ 4,00.
E por que chegamos nessa
situação?
Vou tentar retomar um pouco da
história das políticas econômicas da última década pra tentar analisar em que
pé estamos.
Lulismo
Durante os oito anos de
governo Lula, o Brasil obteve em média uma taxa de crescimento do PIB de 4%
ao ano, encerrando 2010 também com altas taxas de aprovação popular (80%, segundo pesquisa CNI/Ibope de dezembro de 2010). Para isso, Lula
manteve o tripé econômico adotado por FHC para garantir estabilidade ao Real - câmbio
flutuante, metas de inflação (sempre 4,5% ao ano a partir de 2005, e
6,5% de teto a partir de 2006) e metas de superávit primário (ou seja,
uma meta para o resultado do que o governo arrecadou com impostos menos suas
despesas, excluindo da conta os gastos com juros da dívida) – mas foi além,
pois o tripé econômico garantia estabilidade, não crescimento.
Diante disso, o governo Lula
adotou políticas de incentivo ao crédito, além de programas de transferência de
renda para fomentar o mercado interno. Com isso, o volume de crédito no
sistema financeiro passou de 24% do PIB em 2003, (ou mais de R$ 380 bilhões) para 45,3% em 2010 e 56,5%
em 2015 (ou mais de R$ 2,5 trilhões), enquanto os programas de
transferência de renda passaram de R$ 2,7 bilhões em 2003 para R$ 14 bilhões em
2010, chegando a R$ 21 bilhões em 2012, ou 3,6 milhões de famílias beneficiadas somente pelo Bolsa Família em 2004 para mais de 14 milhões em 2013 (mais de 50 milhões de pessoas).
Tais políticas, tanto as
velhas quanto as novas, ajudadas pelo aumento dos preços internacionais das commodities (principais
itens de exportação do Brasil), acabaram tendo um impacto enorme na economia. O
PIB cresceu em média 3,0% ao ano no primeiro mandato de Lula e 4,9% ao ano de
média no segundo mandato. Mais postos de emprego foram criados (saldo muito positivo na criação
de empregos até 2014), derrubando o desemprego (de 12,3% em 2003 para 5,5% em 2012). A desigualdade social diminuiu, com melhoras
significativas nos indicadores sociais (o Índice de Gini, que mede a
desigualdade social, passou de 0,581 em 2003 para 0,526 em 2012, já o IDH pulou de 0,669 em 2005 para 0,730 em 2012).
No entanto, com o fim do
governo Lula e o início do governo Dilma, as políticas de incentivo ao mercado
interno adotadas já apresentavam sinais de esgotamento. Os preços
internacionais de commodities vêm caindo, derrubando a balança comercial, o endividamento das famílias cresceu (saltou de 18,4% em janeiro de 2005 para mais de 46% em 2015), a economia não consegue mais criar postos de trabalho como antes
(com saldo negativo em 2015), o PIB deve apresentar queda em 2015 e 2016, e a persistente inflação,
que estava no teto da meta desde 2010, já passa dos dois dígitos.
Crise econômica de 2008
“Em 2008 eclodiu a crise no mercado financeiro
norte-americano, com a quebra do banco Lehman Brothers. A atividade econômica
mundial caiu fortemente e isso, obviamente, teve consequências sobre o Brasil.
No ano de 2009 o PIB brasileiro caiu 0,23%. A equipe econômica decidiu, então,
que precisava fazer uma ‘política anticíclica’: aumentar os gastos públicos e
reduzir tributos para estimular o consumo e reativar a economia.
Política anticíclica é, por definição, algo
passageiro: expande-se o gasto apenas enquanto a economia está precisando de
incentivos. À medida que a economia sai da crise, e a capacidade ociosa das
indústrias diminui, o governo deve retirar os estímulos.
Porém, a política anticíclica aqui adotada
aumentou gastos difíceis de reverter posteriormente, como a remuneração do
funcionalismo e o salário mínimo. E as desonerações tributárias, que poderiam
ser revertidas, não o foram em função da pressão política de seus
beneficiários. Tornaram-se, isso sim, definitivas, mediante a edição de uma
medida provisória posteriormente convertida na Lei nº 13.043, de 2014.
Já em 2010 a economia apresentava forte
crescimento, mas os estímulos fiscais não foram retirados. Na verdade, o boom
de commodities continuava intenso, pois a China manteve elevado ritmo
de crescimento e continuou fortemente compradora no mercado internacional,
apesar da crise que afetava os EUA e a Europa.
A partir de 2011, animado com o elevado
crescimento de 2010 (que nada mais foi que a recuperação da queda de 2009 e não
o prenúncio de um novo patamar de crescimento), a política anticíclica
transmutou-se em um conjunto de medidas que veio a ser batizado de ‘Nova Matriz
Econômica’. – trecho extraído de Por que a economia brasileira foi para o buraco?, do economista Marcos Mendes,
consultor legislativo do Senado.
Nova matriz econômica
Demorou um pouco para se
entender quais seriam as diferenças do governo Dilma para os oito anos de
governo Lula. Do lado do governo, o secretário de política econômica do
Ministério da Fazenda, Márcio Holland, utilizou pela primeira vez o termo “nova
matriz econômica” em entrevista ao Valor de dezembro de 2012. Nela,
Holland cita três fatores que configuram a tal nova matriz: taxa de juros
baixa; taxa de câmbio competitiva, e consolidação fiscal amigável ao
investimento.
O problema é que as três
pernas da nova matriz econômica não se comportaram do modo que o governo queria.
Os juros de fato caíram de 11,25% ao ano em janeiro de 2011 (quando Dilma
assumiu) para 7,25% ao ano em março de 2013, mas ela retomou a tendência de crescimento
desde então e já está em 14,25% ao ano. Sobre “taxa de câmbio” é difícil definir quanto seria uma taxa
competitiva. No inicio do governo Dilma o dólar custava cerca de R$ 1,70,
chegou a cair a menos de R$ 1,60 na metade de 2011, mas desde então vem numa
escalada de alta. A partir de setembro de 2014 o valor do dólar não parou de
subir, passando de R$ 4,00 na primeira semana de 2016. Já a consolidação fiscal
amigável ao investimento seriam, segundo Holland, políticas fiscais
anticíclicas como, por exemplo, redução da relação dívida/PIB e alongamento dos
prazos de vencimento da dívida pública, além desonerações do investimento e da
produção (leia-se isenção de impostos a determinados setores da economia).
Deu errado?
Para quase unanimidade dos
economistas a nova matriz econômica deu muito errado. Primeiro, o modelo de
desonerações adotado não seria o jeito certo para alavancar a economia (aqui, pode-se ver os 30 pacotes de incentivo à economia do
governo Dilma), privilegiando determinados agentes em detrimento de outros, abrindo
margem ao casuísmo. Esse casuísmo também é criticado na política de empréstimos
do BNDES. O banco passou de R$ 40 bilhões de desembolsos em 2004 para R$ 190 bilhões em 2013, sendo cerca de 70% desses desembolsos para grandes empresas. O problema, segundo economistas,
além da necessidade crescente de dinheiro do Tesouro por parte do BNDES seria a
atuação de seu braço de participações, o BNDESPar, acionista das grandes empresas
do país (JBS, Oi, BR Foods, entre outras) e que têm ajudado determinadas
empresas a se consolidar no mercado internacional sem um critério claro das razões
para tal ajuda.
O resultado da nova matriz
econômica, além dos expostos acima, não surtiram o efeito desejado de trazer
crescimento robusto do PIB, gerando um efeito perverso de piora nas contas do
governo. Em números, o governo antes fazia um superávit primário 3,1% do PIB em
média de 2001 a 2008. Este valor foi reduzido para 1,5% do PIB de 2009 a 2013 e chegou apresentar déficit em 2014. Isso quer dizer
menos dinheiro para pagar suas dívidas e honrar seus compromissos.
A esperada redução da relação dívida/PIB também não
veio. A dívida bruta[1] começou
o ano de 2011 representando 57,1% do PIB e se manteve mais ou menos estável até
2014, mas, no fim de 2015, foi para a casa dos 65% . Já a dívida líquida, que
era de 37,6% do PIB no começo de 2011, chegou a cair para 30,6% no fim de 2013
e foi para 34,3% no fim de 2015.
Para os economistas, outro
problema foi o aumento dos gastos sociais sem aumento do investimento, sem
aumento da poupança e sem crescimento econômico. Ou seja, o governo gasta mais,
mas o país não está produzindo riquezas para custear esses gastos. Os gastos
sociais explicam 80% do crescimento da despesa não financeira[2] do
Governo Central de 1999 a 2013 e têm crescido ainda mais no governo Dilma
(crescimento anual de 1,6% do PIB de média frente a 0,47% no segundo governo Lula, 1,24% no primeiro governo Lula e 0,69% no segundo governo FHC).
“Em 2013 o
ritmo de crescimento da economia chinesa começou a diminuir. Os mercados de commodities
esfriaram. A atividade econômica no Brasil sentiu o baque e os problemas
acumulados com os erros da nova matriz, somados à nossa histórica fragilidade
fiscal e aos demais problemas estruturais, passaram a cobrar seu preço: o nível
de endividamento dos consumidores brecou a expansão do consumo; a escalada da
inflação corroeu a renda; acabou o dinheiro que estava bancando o
crescimento insustentável dos gastos primários; os subsídios creditícios
dados pelo Tesouro elevaram a dívida bruta e o seu custo; a queda do preço do
petróleo somou-se aos escândalos de corrupção e ao previsível fracasso dos
produtores nacionais de equipamentos de exploração, colocando a Petrobras na
berlinda; as expectativas se deterioraram; as desonerações fiscais ajudaram a
derrubar a receita pública e ampliaram o déficit.
O governo passou a maquiar as
contas para esconder o déficit, deteriorando ainda mais a confiança e as
expectativas dos agentes econômicos em relação à consistência da política
econômica. (...)
O Banco Central, que perdeu
credibilidade ao baixar os juros e deixar a inflação escapar da meta, está se
defrontando com taxas na casa de 10% ao ano. Para recobrar a credibilidade e
fazer as pessoas acreditarem que pretende trazer a inflação de volta para a
meta de 4,5% ao ano, ele precisa “comprar credibilidade”, e o faz com uma
elevação de juros bem mais forte do que a que seria necessária caso os agentes
econômicos não tivessem perdido a fé nas intenções da Autoridade Monetária. A
recessão necessária para colocar os preços nos eixos terá que ser maior.
Diversos programas públicos
estão sendo reduzidos ou extintos pela simples falta de dinheiro. Vedetes da
propaganda oficial, como Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa
Melhor e Ciência sem Fronteira estão encolhendo” – trecho extraído de Por que a economia brasileira foi para o buraco?, do economista Marcos Mendes.
Ajuste fiscal
Com o início do segundo
governo Dilma e a formação da nova equipe econômica liderada por Joaquim Levy,
os rumos da economia mudaram consideravelmente em 2015.
Apesar da propaganda eleitoral
em 2014 condenando as propostas de ajuste fiscal que seria feita pelos
adversários (Aécio e Marina), após as eleições pessoas importantes da equipe
econômica do primeiro governo Dilma já reconheciam o fracasso da "nova matriz econômica". Pra completar, Dilma colocou Joaquim
Levy, então vice-presidente do Bradesco e que tinha simpatia do mercado
financeiro, no cargo de Ministro da Fazenda. A partir de então, o governo vem
tentando fazer o ajuste fiscal cortando gastos e restringindo o acesso a
benefícios previdenciários e trabalhistas.
Entre as medidas do ajuste
estão:
- Corte de quase R$ 70 bilhões em gastos e investimentos públicos do Orçamento;
- Corte do crédito na economia;
- Medida Provisória (MP) nº 664, que restringe o acesso ao pagamento da pensão por morte;
- MP 665, que alterou regras para o acesso ao seguro-desemprego e abono salarial;
- MP 668, que aumentou alíquotas do PIS/Cofins sobre importados;
- MP 669, que alterou a contribuição previdenciária patronal, elevando as alíquotas cobradas das empresas.
Agora, com a troca de Levy por
Nelson Barbosa, a promessa é de continuidade do ajuste fiscal, mas com alguma
dose de medidas anticíclicas. Entre as poucas políticas que ainda se mantém,
está o cálculo de reajuste do salário mínimo.
Em resumo, o país cresceu
durante o boom das commodities e com o aumento da renda do trabalhador. O
período também serviu para diminuir e muito a pobreza. Mas as regras de
incentivo à economia produtiva, seja via PAC, aumento do crédito ou desonerações
não serviu para melhorar a infraestrutura do país nem preparou a economia para
se tornar competitiva no mercado internacional em cenário de queda do
crescimento chinês. Pior, os gastos do governo cresceram mais que deveriam e
agora não há dinheiro para garantir pagamentos básicos nem aumentos salariais
no mesmo nível da inflação. Também não há credibilidade da equipe econômica
para colocar as contas em ordem, nem da equipe política para aprovar os
projetos necessários no Congresso.
[1] A dívida bruta diz respeito a todo tipo de débito do Estado
brasileiro: títulos públicos vendidos ao “mercado”, empréstimos bancários,
empréstimos feitos por organismos internacionais, débitos estaduais e
municipais assumidos pelo governo federal. Já a dívida líquida desconta-se tudo
o que o País já tem em caixa – seja em reais depositados aqui, seja em dólares
mantidos no exterior – ou vai receber no futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário